domingo, 25 de maio de 2008

O Rei, os Arautos e o(s) Cavalo(s) de Tróia

É conhecida a história-lenda do cavalo de Tróia e como ele permitiu aos gregos entrar na bem preparada, organizada e fortificada cidade de Tróia onde, a coberto da noite e aproveitando a alegria dos habitantes que celebravam a suposta retirada das tropas inimigas, lograram eliminar toda a resistência e abriram as pesadas e robustas portas da cidade.

Com o pretexto de recuperar a bela Elena, seu pai, o Rei Minelau, reuniu os exércitos das cidades-reino da Grécia que havia conquistado, e marchou sobre Tróia para resgatar a filha e defender a sua reputação de líder temido.

Longo tempo demorou o cerco até que, não podendo vencer pela força os determinados e bem organizados guerreiros de Tróia, o fez recorrendo a uma astuciosa artimanha. Simulando a retirada, Minelau abandonou no terreno uma falsa estátua de madeira representando um cavalo que escondia no interior Aquiles e alguns dos seus melhores guerreiros.

Pensando que o exército invasor havia desistido foram os próprios habitantes de Tróia que levaram para o interior da cidade esta falsa estátua. A coberto da noite Aquiles e os seus guerreiros saíram do interior da estátua, franquearam os portões da cidade ao exército de Minelau que entretanto regressara à ilha e destruíram a cidade.

Esta manobra ficou na história como a forma mais astuciosa de dominar uma cidade ou uma organização a partir do seu interior. Séculos mais tarde são conhecidas as manobras de estratégia militar que se apoiam nas unidades de reconhecimento que, infiltradas em território inimigo, quais Cavalos de Tróia, passam informações ou atacam alvos importantes.

Na altura da Guerra Fria, ambas as potências de então - EUA e URSS - usaram estratégias similares, infiltrando agentes, as célebres toupeiras, que passavam para o exterior das respectivas organizações/sociedades onde estavam inseridos, informações consideradas vitais.

Já mais recentemente o conceito foi recuperado e aplicou-se também à actividade informática, com o desenvolvimento de pequenas aplicações de software que, uma vez no interior de um computador, apagam informação ou, simplesmente, o tornam acessível e vulnerável a partir do exterior. Genericamente designados por vírus, alguns tomam mesmo a designação de Troianos, fazendo-nos recordar a eficácia de Aquiles e dos seus guerreiros.

O Cavalo de Tróia continuará sempre presente enquanto houverem interesses escondidos ou pessoas desonestas dispostas a recorrerem a este tipo de estratagema.

O Cavalo de Tróia está presente no Barreiro e o seu efeito é visível no recentemente aprovado Plano de Urbanização (PU) e nos 300 hectares do Quimiparque previstos reconverter como convém ao Rei Minelau, seja ele quem for.

É precisamente a dúvida quanto à identidade do Rei Minelau que torna tão difícil desmascarar todo o estratagema que vem envolvendo esta cidade, num laço muito estreito entre o que é o interesse de determinados construtores civis, o interesse da Câmara Municipal e o de certos intervenientes com interesses na actividade imobiliária a gerar por este pretenso desenvolvimento que assenta, não na melhoria do que está degradado mas, na destruição do que existe, funciona e tem potencial para ser melhorado.

Olhando para o recente Plano de Urbanização que a Câmara Municipal aprovou em 9 de Abril de 2008 e que, curiosamente apesar de estar em curso o período de trinta dias destinado à discussão pública, ainda não está disponível para consulta no site da autarquia, é difícil perceber a lógica de abranger nesta operação uma zona tão extensa e esquecer o Barreiro Velho.

Porque se deixou ficar de fora o Barreiro Velho, uma das mais degradadas zonas da cidade? Não seria uma oportunidade para o renovar (ou reconverter)?
Plano de Urbanização Aprovado
A vermelho a zona do Barreiro Velho
A amarelo a zona abrangida pelo PU
(Clicar p/ ampliar)

Percebe-se que, numa altura em que os Arautos falam de novos acessos, rodoviários e ferroviários, da Terceira Travessia do Tejo, do atravessamento do Quimiparque para fazer chegar os clientes ao Forum Barreiro e os compradores à urbanização da Quinta das Cordoarias, da anunciada estação intermodal a construir algures na zona da Escola Álvaro Velho e do Complexo desportivo do Grupo Desportivo Fabril, de “novas centralidades” e de novos desafios, as zonas afectadas por todo este “reboliço” mereçam uma atenção especial. Não seria, no entanto, de aproveitar o balanço para estender a dinâmica que se pretende gerar, também ao Barreiro Velho? Ou mesmo, começar por aqui?

Vamos a Barcelona buscar o catalão Joan Busquets para nos projectar um Mercado novo e reformular a Av. Alfredo da Silva, apesar de nela termos gasto 70.000 contos (350.000€) há apenas 4 anos, com a pavimentação dos passeios. Porque não o aproveitamos para recuperar o Barreiro Velho e deixamos a Av. Alfredo da Silva como está?

Já que “está cá” o Arquitecto Joan Busquets, a Risco, SA dos irmãos Salgado (filhos de Manuel Salgado, que em tempos desenvolveu a pedido do então Presidente da Autarquia, Pedro Canário, um projecto de reconversão para o Quimiparque que previa a sua utilização para produção de energias renováveis), convida-o também para ser o coordenador geral do Plano de Urbanização para o Parque Empresarial do Quimiparque.

Este projecto poderá custar aos cofres da empresa, segundo afirmam os conhecedores, cerca de 120.000 contos (600.000€). Já antes, o saudoso Masterplan desenvolvido pela Ideias do Futuro, custara a esta empresa idêntico valor para ser deitado ao lixo quando foi substituído pelo recente Plano de Reconversão do Quimiparque.

Por este trabalho a Risco, SA facturou cerca de 100.000 contos (500.000€).

A Quimiparque é uma empresa com um único accionista – o Estado – através da Sociedade Parpública. Não admira por isso que tenha aceite entrar numa espiral de investimentos, dos quais ainda não viu resultados práticos a não ser a degradação do seu parque empresarial, no Barreiro.

Foi a Quimiparque que suportou os custos da movimentação de terras, no Lavradio, para construção da ETAR Barreiro-Moita que tarda em tornar-se realidade, mal grado a prontidão com que a empresa de capital público desembolsou 200.000€ (40.000 contos).

No curriculum de gastos suportados pela Quimiparque pontuam ainda a cedência e pagamento dos trabalhos de remodelação do antigo refeitório da zona têxtil, destinado à futura esquadra da PSP-Barreiro (650.000€ - 130.000 contos), os custos estimados em 500.000€ - 100.000 contos para preparar dois edifícios que serão doados à corporação de bombeiros voluntários do Sul e Sueste, os encargos a suportar com a remodelação integral da antiga fábrica da Sotinco para a ceder aos serviços da Câmara Municipal do Barreiro (valor estimado em 2M€ a 3M€ - 400.000 contos a 600.000 contos) e como se tudo isto não fosse suficiente ainda lhe caberá ter que pagar a adaptação da travessia do arruamento interno que ligará, a partir do final de 2008, o Forum Barreiro ao Lavradio, com a correspondente alteração do antigo Largo das Obras e a implantação da estátua de Alfredo da Silva no centro da nova rotunda viária que aqui irá nascer.


Novas Vias urbanas para servirem
o Forum Barreiro e a Quinta das Cordoarias
(Clicar para ampliar)


Quem é o Rei Minelau que mandou cercar o Quimiparque?
Quem são os guerreiros que “entraram” pelos portões do Quimiparque na barriga deste Cavalo de Tróia?

Por que permite o accionista da Quimiparque que se gaste tanto dinheiro sem contrapartidas?

É verdade que a Staples Office não obteve permissão da câmara para se instalar no Salis Park e optou por se instalar no Montijo?

Como se explica que os candidatos a compradores de lotes no loteamento industrial Salis Park, pertença da Quimiparque, tenham que esperar cerca de ano e meio até conseguirem o licenciamento camarário para se instalarem neste local, quando qualquer construtor consegue começar a construir, meia dúzia de meses após a recepção provisória das infra-estruturas ou, como é o caso da Quinta das Cordoarias, começam a construção ainda antes de estas estarem concluídas?

Como se lembram os que nos lêem, relativamente a este empreendimento, ainda recentemente o trânsito no cruzamento da Av. Alfredo da Silva com a Rua Miguel Bombarda, sofreu graves condicionamentos para que, finalmente se pudessem executar as ligações necessárias às redes de infra-estruturas existentes.

Em Agosto de 2007, quando já decorriam os trabalhos de construção do edifício onde funcionará o Forum Barreiro, houve uma ruptura na canalização de gás, quando se executava a conduta de água para abastecimento à Quinta das Cordoarias.

As infra-estruturas não estavam concluídas, na altura, ainda não estão provisoriamente recepcionadas, hoje, mas a obra já atingiu a fase do reboco das paredes.

Como explica a Câmara Municipal que o promotor com quem assinou o contrato de urbanização da Quinta das Cordoarias, a quem incumbia a realização das infra-estruturas viárias de acesso ao Forum Barreiro, tenha conseguido ver transferida esta responsabilidade para a empresa de capital público, Quimiparque (ver links no fim da postagem), que irá ceder terrenos e pagar a nova rua que ligará este empreendimento ao Largo das Obras e daqui ao Lavradio, pelo interior da sua propriedade?

Quem ganha com toda esta estratégia de transformação/destruição do Quimiparque, único local do concelho verdadeiramente concebido para instalar empresas e dar trabalho?

Quanto “factura” a autarquia por cada alvará de construção para habitação e quanto “factura” para a construção de um armazém ou da sede social de uma empresa?

Quantos edifícios de habitação cabem em 300 hectares e quanto “facturará” a Câmara Municipal por esses alvarás? E quantos armazéns ou instalações industriais cabem nessa mesma área e qual o valor desses alvarás?

Depois da conquista de Tróia, Minelau não recuperou a sua filha Elena, mas esse aspecto passou a ser secundário uma vez que a invencibilidade do velho Rei continuou a ser espalhado aos quatro ventos pelos Arautos.

Tróia ficou destruída e nunca mais recuperou. A ideia do Cavalo de Tróia é atribuída a Aquiles mas é bem provável que tão fantástico guerreiro não tivesse outras capacidades que não habilidade e arte no manejo das armas.

Minhas Senhoras e meus Senhores é sabido que no jogo da vida não podemos mudar as cartas que nos dão, mas somos livres de escolher a forma como as jogamos.

E vocês, como é que escolhem jogar as cartas que têm na mão?

Sempre Vosso

Captain Jack


PS - A próxima postagem será sobre a Estátua de Alfredo da Silva.
É para ficar onde está, qual é a dúvida?

A 11 de Maio 2008 um amigo enviu-nos estes links que têm bastante interesse dê-lhes um olhinho:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjklGmBenlpYnXuq2ETFHnqZ1wy5I7tAmY1krndgqh-CQXNdVJysOyvb1Y7f3N3DmdDDSJHAAxvLfvqYJDmQCgPYYlnOTLXSpIynnXztoduHBoeL60kPJ1IaCZS-QmFjzY4jHLhjH7u2Ksq/s1600-h/image017.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKq58RTXjEUuzp_rRXXAI_v8aY7FQthe3G5B0Od2J_ZKb5Vhp0ciZ-8TQe8Kmk4WmU707eIORAGsSgIaHqLVYQDERdorHVNUoKlijhj3H5JIXmvGXchxZnl_Ci7qRs4mzDPi5V-tmkKZE5/s1600-h/image018.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBva-FrPMg5F8F3DLS8aVjNGbIwKyNa7M9DxFy2QrSfqUcZrZ4IzEbwMNRZ07PrHnyqYSGQJy779F46xmxlg5rHVvKfeijau6qw8h6gS1AMU5R0xMZuQ01ztsa3PG1U0Empaag1dDL6nR6/s1600-h/image019.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn2NLGrV3xv9Ogi6HM6HPjRLozF9BLpXX43QBOgrmUyAoVNw8oEJg_FMy5gkb4YffHuvsz3ffXNw-wYIEwgNDZbOwpbe0ZQ76abqXwX9mwt4DSqU0inTcqGMCNyHgzqBRSYNYIXO3Mhzy9/s1600-h/image020.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjW0lRiCTEgK_Wg62GU24lHdrF6epDAdAh1g8rwSrI_UCVxJMGtS14-xLmtJNtmxt8Zid76R2HSgiIUzLlPzSvusjPLYaQl7orvF5_RFas1MW8gl_o6-LdgzUlEd3vGEtDdvqte42DB6MI2/s1600-h/image021.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcFWv_aNten-RrZ1LRmrVN-uuL7cVWIssma54l1hD8taIp5kX6tvF_svehzm7IGqw6hRXNB-3HcarHG5yY8LKRIwj_LP1rCrrbpJ96ZdxIi16QOqAnCfjSb5s_d1JNJpuhXgd9kfV3u948/s1600-h/image022.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4X507_xMtPTN_5giB8Vl7zB_FETj9UunyR2bwsWZQFz28Ujth4T2JU-OcdrML3j76pIQwMZL9JYv07opBVeKlNn3PE_XhP25x8CrdROGjZl6p6ZJK488kTnZtbAy5k9BRcgS7Fsl7-bRp/s1600-h/image023.jpg

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGJh3Vm8XHTGXdUAN9xK2FWyjdjiIB8txq2WRZgwS7-oBbG_iNXYSF1rXdN7WfDLnsF6vNNZDEXhYeiXzTo5sUawUyh8iI3p1aA0scXJamXnDB4bKTr7ErLGuv9vZN64WhcD8qHBdrnzWc/s1600-h/image024.jpg

domingo, 4 de maio de 2008

Agora é que eles nos dizem ...?!

Ainda na ressaca dos festejos pela nova Ponte eis que os nossos autarcas começam a mudar a tónica do discurso. Já não é a satisfação e a alegria, já não são as facilidades, o desenvolvimento do concelho e a criação de emprego que a nova infra-estrutura vai trazer para o Barreiro.

Pela primeira vez se admite publicamente o impacto negativo da Ponte na cidade. O Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal do Barreiro, Joaquim Matias, fala mesmo na necessidade de a cidade “ter de se adaptar a esta nova estrutura para que o Barreiro não fique nem encafuado nem congestionado” e sente-se mesmo na obrigação de nos garantir “que o município está a trabalhar para maximizar os benefícios e minimizar os impactos negativos”. In “Jornal do Barreiro” de 25 de Abril de 2008

Não sei se hei-de ficar preocupado ou em pânico. Olhando para o passado tenho que admitir que, a maior parte do que foi feito pela autarquia primou por nos deixar pior do que estávamos ou ser inconsequente.

Mais uma vez fico confundido quando recordo que uma solução “tão estudada”, chegámos mesmo a ouvir Carlos Humberto referir “mais de 20 anos de estudos aprofundados” para agora ficarmos a saber por Joaquim Matias que afinal tanto estudo, ainda precisa que seja a Câmara Municipal do Barreiro a contrapor soluções para minimizar os impactos negativos no Barreiro. E mesmo assim só se fala em minimizar.

E a Câmara Municipal do Barreiro tem técnicos que consigam ombrear com os da RAVE e Estradas de Portugal para minimizar os impactos negativos que os primeiros não foram capazes de minimizar em “estudos aprofundados”?

Não duvido que a autarquia tenha tal património técnico, no entanto apetece-me perguntar por onde andaram estes técnicos ao longo de tantos anos, quando o Barreiro tanto precisou deles? Onde estavam quando se aprovou o Forum/Quinta das Cordoarias, no centro do Barreiro? Porque não minimizaram (nem previram) este impacto visual, viário e económico?

Que andam a fazer estes técnicos quando, recentemente, permitiram que se traçasse um arruamento para ligar o Barreiro ao Lavradio, pelo interior de uma zona empresarial que é a única mancha significativa de emprego no concelho (4000 postos de trabalho e 300 empresas que irão ver a sua movimentação condicionada pelo trânsito diário de milhares de viaturas)?

Quem são esses técnicos que permitiram a construção da Quinta da Mina que, menos de 8 anos após a sua construção necessita reparações orçadas em quase 1M€? Que trabalhos desenvolvem esses técnicos que ainda não souberam mostrar aos nossos políticos a necessidade de reparar os arruamentos mais movimentados da cidade, que estão cheios de buracos? (ver exemplo da Rua Miguel Pais, da Rua da CUF e a da Rua Dr. Manuel Pacheco Nobre, entre outras).

Escreve o “Jornal do Barreiro” no artigo em que cita Joaquim Matias que o município se depara com “um trabalho profundo que consiste em saber como inserir a ponte no Barreiro”.

Que pode o município definir num projecto de interesse Nacional? Alguma coisa depende da Câmara Municipal? Quando se tomou uma decisão política, que agora se sabe ir destruir em Palmela cerca de 20 hectares da melhor vinha do mundo, em que medida pode a Câmara do Barreiro condicionar esta opção?

Não estaremos de novo em bicos de pés ou, pior que isso, não estamos a atirar areia para os olhos da “malta”?

Quando os nossos autarcas deveriam ter tido a lucidez de estudar as consequências do impacto desta mega infra-estrutura, na cidade e no Concelho, gritaram a plenos pulmões que o Barreiro queria a Ponte. Os mesmos, dizem-nos agora, quererem negociar com o Governo para exigir portagens virtuais e uma “Gare do Oriente em vez de uma Santa Apolónia”.

A atitude do executivo camarário, que não é muito diferente da atitude das restantes forças políticas do Barreiro, é um autêntico “faz de conta que sabemos”, um “querer mostrar que se está perfeito conhecedor do que se passa e se decide” sem, contudo, conseguir esconder que tudo está a passar ao lado da Câmara do Barreiro.

A decisão, sobre o que parece serem as duas opções de traçado, está em cima da mesa da RAVE e até o LNEC “recomenda”, agora, a desfasar a construção da linha férrea da componente rodoviária, chegando mesmo a falar desta como uma segunda fase do empreendimento.

Não obstante estas evidências os nossos autarcas ajudam a RAVE a esconder o jogo quando deveriam, pelo contrário, ser os primeiros a clarificar a situação e a divulgá-la aos primeiros interessados, aqueles que vivem na proximidade das hipóteses de traçado consideradas.

Este silêncio, esta falta de divulgação de informação cria intranquilidade nos munícipes. Como é possível que um empreendimento deste tipo, que condiciona a vida de todos quantos vivem e trabalham no concelho do Barreiro, não mereça a publicação, no site da autarquia, da informação já disponível sobre o assunto?

Quando se fala de participação das populações na vida do concelho o site da câmara limita-se a revelar os fait-divers do quotidiano da gestão diária da autarquia, as iniciativas estéreis dos protocolos assinados, das visitas VIP da vereação a esta ou aquela organização, a pavimentação ou o arranjo de logradouros. O que é importante fica de fora!

Seria bom que, de uma vez por todas, os nossos políticos entendessem que 34 anos perdidos são mais que suficientes para admitir a incapacidade das suas propostas, das suas práticas e dos seus métodos de trabalho. Não falo em particular de nenhuma força política, mas de todas em especial.

O Barreiro perdeu 34 anos, durante os quais a centenária linha ferroviária do Sul se mudou para o Pinhal Novo, a CUF e a Quimigal morreram, não por falta de solidariedades, como referiu Carlos Humberto no programa Prós e Contras da RTP1, mas devido a discursos inflamados aos portões das fábricas, plenários sucessivos e greves com portões fechados a cadeado, incitadas por políticos locais que haveriam de liderar a autarquia e dar continuidade a uma política que teimou em desaproveitar recursos, humanos e materiais, desde que estes não se inscrevessem em determinada linha de ideais partidários.

O Barreiro perdeu 34 anos assistindo a duvidosas operações de loteamento como a Quinta dos Fidalguinhos, fase 1 e fase 2, a urbanização da Escavadeira, a Quinta das Naus, a Quinta das Cordoarias, do Alto da Vila (onde foi destruída uma mancha de pinheiros, junto ao cemitério da Vila Chã), ou o recente loteamento industrial junto à Mata da Machada, em Palhais, entre outras.

Quantos postos de trabalho foram criados com esta política imobiliária? Que qualidade de vida resultou daqui para o Barreiro e para os seus habitantes? Onde foram aplicadas as taxas cobradas com as licenças para tanta construção?

O pacote de rebuçados que nos apresentaram começa agora a mostrar o seu conteúdo. O Forum Barreiro da Quinta das Cordoarias começa a mostrar à população ter sido apenas um pretexto para permitir um empreendimento massivo de fogos de habitação que se pretendem vender a preços de luxo. Para quem? E se não forem vendidos que fazer com tamanho mastodonte?

A nova Ponte vai obrigar a demolir a Escola Álvaro Velho, introduzir uma praça de portagem entre o Hospital e o Campo dos Galitos e, muito provavelmente à demolição de uma franja de edifícios no Lavradio. A garagem dos TCB ou a sub-estação da EDP também não escaparão a esta necessidade nacional bem como a Escola 2-3 Padre Abílio Mendes e o ginásio da Secundária Augusto Cabrita.

A IC21, transformando-se numa via com portagem, deixará de servir de rodovia local. Vamos voltar ao Barreiro de há 30 anos atrás quando para irmos do centro do Barreiro para a Vila Chã tínhamos duas alternativas - pela Quinta da Lomba ou pela Baixa da Banheira, neste caso via Fidalguinhos.

O Mercado 1º de Maio aguarda pelo projecto que Juan Busquets ainda não fez, apesar de, para ir disfarçando, já estarem montadas as barreiras metálicas de protecção à obra transformando o centro do Barreiro numa paisagem de aspecto confrangedor. A pressa foi tanta que nem o abrigo da paragem de autocarros foi mudado para a nova localização desta e o quiosque dos jornais ficou escondido atrás dos tapumes.

Enquanto a APL termina as obras na Av. Bento Gonçalves vão caindo casas no Barreiro Velho e sendo colocadas placas sinalizando os buracos que vão aparecendo nos pavimentos dos arruamentos, da própria avenida e nas ruas interiores do Barreiro Velho.

Com a administração do parque empresarial do Quimiparque assinam-se protocolos que transformam terrenos que sendo do Estado Português são de todos nós, em terrenos que servem interesses privados, como é o caso do novo arruamento que, sendo construído a expensas do Quimiparque, servirá o novo Centro Comercial Forum Barreiro.

Junta-se a este interessante protocolo o excelente negócio dos Bombeiros Sul e Sueste a quem serão oferecidos dois edifícios, no interior do Quimiparque, a custo zero, mas completamente remodelados e equipados, de novo a expensas desta empresa de capital público, depois de a mesma ter cedido um terreno para a construção do quartel definitivo desta corporação, no valor de algumas centenas de milhares de euros.

Nada de espantar uma vez que é também o Quimiparque que está a suportar os custos das obras de adaptação do antigo refeitório da zona têxtil, para que nele funcione a esquadra da PSP e é ainda esta mesma empresa que irá pagar as obras de remodelação de um conjunto de edifícios, das antigas fábricas da Sotinco, para os entregar à autarquia, que neles instalará alguns dos seus serviços.

Quanto à ligação entre o Barreiro e o Lavradio através do parque empresarial, outro dos protocolos assinados, obriga a que seja também o Quimiparque a executar, pagar e manter em perfeitas condições as alterações a fazer à rua interior do complexo para a tornar pública.

Para quem fala tanto em incentivar o investimento, para quem não se cansa de aparecer em cerimónias a elogiar os empresários que investem no concelho e até a apadrinhar alguns investimentos (outras vez na área do imobiliário) é no mínimo estranho que se tenha optado por ligar o Barreiro ao Lavradio partindo ao meio, o parque empresarial do Quimiparque.

Afinal em que ficamos, Sr. Presidente Carlos Humberto, queremos mesmo o Quimiparque com empresas ou os 300 hectares pretendem-se transformados em taxas para licenças de construção?

E que pretende a administração do Quimiparque? Esbanjar dinheiro público, tornar economicamente inviável um parque empresarial com potencialidades, como poucos têm em Portugal, para justificar a sua alienação em lotes para construção de habitação?

Que se ganha com isto? Terá o Estado mais interesse nisso ou em manter os actuais 4000 postos de trabalho existentes e até aumentá-los para 5000 ou 6000?

Minhas senhoras, meus senhores gostava mesmo de saber o que vai na cabeça desta gente, palavra de

Captain Jack

Eu não comemorei o 25 de Abril!

Naquela manhã o meu pai regressou a casa meia-hora depois de ter saído para o trabalho. Havia atravessado a correr o Campo da Escavadeira depois de, à entrada da fábrica, ter ouvido dizer que em Lisboa estava a decorrer um golpe de estado.

Eu ainda estava a tomar o pequeno-almoço quando ele entrou em casa e ligou o velho rádio Grundig que a minha mãe tinha em cima da máquina de costura e a chamou, para que fosse para junto dele.

A rádio emitia música clássica e eu achei estranho como eles falavam em voz baixa. A dada altura a música parou e a voz do locutor fez-se ouvir anunciando “Aqui, posto de comando das Forças Armadas ...” .

A minha mãe levou as mãos à cabeça largando um “Minha Nossa Senhora!” enquanto o meu pai a mandava calar com um “Espera, quero ouvir!”. Soube que alguma coisa se passava.

Nesse dia não fui à escola nem jogar à bola no descampado, com os outros miúdos. Passei o dia em casa, com os meus pais, ouvindo com eles os comunicados que o Movimento das Forças Armadas (MFA) emitiu durante todo o dia, a espaços, sobre o evoluir da situação.

Golpe de Estado, Fascismo, Polícia Política, Guerra Colonial e Liberdade eram palavras que eu não conhecia. Já ouvira falar de uma guerra em África e das nossas colónias na escola, mas as outras eram-me completamente desconhecidas. Nesse dia, contudo, ouvi-as pela primeira vez mas não perguntei aos meus pais o que queriam dizer. Tudo se estava a passar muito depressa e via-os preocupados.

Quando foi possível ver imagens na televisão lembro-me de uma multidão num largo a que chamavam do Carmo, um “carro de guerra” a que o locutor chamava chaimite e muita, muita gente a gritar quando o carro se movimentou. Lá dentro, ouvi, ia o Presidente do Conselho, aquele senhor que, todos os meses, fazia aquele programa que se chamava “Conversas em Família”.

Nos dias seguintes o povo andava na rua, contente, a falar do golpe de estado e dos militares, de um major chamado Otelo Saraiva de Carvalho e de um capitão Salgueiro Maia. Falava-se de Marcelo Caetano que ia para a Madeira, da PIDE e de presos políticos. Trocavam-se abraços e ofereciam-se cravos.

Os meus pais, visivelmente mais contentes, retomaram a vida normal, se normal se pode considerar ter sido a vida nos dias imediatamente seguintes ao 25 de Abril de 1974.

A 27 de Abril libertaram os presos políticos e começaram a prender os PIDES e aqueles que eram apontados de fascistas. Nas fábricas da CUF começaram a aparecer bandeiras vermelhas com foice e martelo e a GNR mantinha-se no interior das esquadras e já não andava a cavalo pelas ruas do Barreiro.

Começaram a chegar os políticos exilados e o primeiro 1º de Maio foi de festa com todos juntos a prometer um país novo, justo e livre.

Olho agora para trás, 34 anos volvidos, e pergunto-me como pudemos ser tão ingénuos deixando que gente tão incapaz tivesse assumido o controlo da sociedade portuguesa e desperdiçado a oportunidade que outros países tiveram só depois de terem passado por guerras sangrentas.

A Inglaterra, a França, a Alemanha, a Itália ou o Japão começaram de novo, mas só depois de terem passado por guerras onde sofreram milhões de mortos e perderam tudo, nalguns casos até a dignidade.

Nós fomos bafejados pela sorte e conquistámos esta oportunidade com um cravo nas espingardas e meia dúzia de mortos, em todo o processo. Talvez por isso não soubemos aproveitar a situação.

Otelo Saraiva de Carvalho foi usado pelos escroques políticos e acabou a apoiar atentados, sem sentido, contra pessoas ou estruturas inocentes, numa tentativa de fazer uma revolução proletária em que ninguém estava interessado.

Salgueiro Maia recolheu ao quartel, uma vez cumpridas as missões que lhe couberam (marcha sobre o Terreiro do Paço, assalto à sede da PIDE e tomada do Quartel do Carmo), nunca se dedicou à política e acabou por morrer ignorado e esquecido pelos seus pares.

Hoje a sua estátua está em lugar de destaque, em Santarém, mas durante anos esteve perdida, sob um amontoado de sucata, até ser descoberta cheia de pó e mandada restaurar por Moita Flores, Presidente da Câmara desta cidade, 30 anos depois do 25 de Abril.

Em minha opinião ao 25 de Abril aconteceu o mesmo. Esquecido como Salgueiro Maia e os verdadeiros heróis a quem devemos a nossa liberdade, o espírito do 25 de Abril foi usurpado por aqueles, doutores e engenheiros com diplomas de RGA e passagens administrativas, que tomaram conta das nossas cidades, das nossas instituições e nos governam desde então.

Em homenagem a Salgueiro Maia, eu recuso-me a comemorar o 25 de Abril enquanto os responsáveis pela adulteração do seu espírito não forem responsabilizados pelo regabofe em que se tornou este país, num folclore constante com o único objectivo da caça ao voto, onde vale tudo, mesmo a mentira despudorada e irresponsável.

Até lá prefiro recordar o 27 de Abril, o primeiro dia em que o país foi verdadeiramente livre e, no exterior da prisão de Caxias, se receberam entre abraços e lágrimas de emoção os que sofreram pela liberdade.

AlmaSense