quinta-feira, 23 de outubro de 2008

ELA CÁ ESTÁ! (e nós como ficamos?)

Longe vai já a discussão sobre a melhor opção Chelas-Barreiro versus Beato-Montijo-Barreiro, para atravessar o Tejo pela Terceira vez, na zona de Lisboa. Está aceite a necessidade e mesmo o interesse nacional neste tipo de infraestrutura, para não perdermos o comboio da Europa no que diz respeito à Alta Velocidade.

Esta nova travessia “acomoda duas vias ferroviárias de alta velocidade, duas vias ferroviárias convencionais e uma nova ligação rodoviária”.

Deseja-se que a Alta Velocidade assuma “um papel no desenvolvimento económico e social de Portugal, consolidando a fachada Atlântica, dando-lhe capacidade competitiva e integrando-a no espaço ibérico europeu”.

Cheira a discurso político, é discurso político mas é a estratégia escolhida e designada como nacional. Veremos, no futuro, se a factura que vamos pagar corresponde à qualidade do produto que vamos comprar ou se, pelo contrário, é mais um dos grandes desígnios nacionais como os que temos tido, periodicamente, ao longo destes últimos 34 anos.

É exactamente este receio que nos revelam as vozes da contestação que, um pouco de todos os lados, se vão juntando em uníssono pedindo que seja repensada esta apetência pelos mega-projectos dos quais a TTT e o aeroporto são o exemplo máximo.

À margem deste alarido, o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) sobre a Terceira Travessia do Tejo, foi tornado público a 13 de Outubro. Este documento que nos deve interessar, como barreirenses, analisa e define a opção, considerada como a menos lesiva para a cidade, no que aos traçados ferroviário e rodoviário se perspectiva para os próximos anos.

Das duas opções consideradas, A e B, o Estudo considera a última, designada de opção Poente, como aquela que será a menos lesiva para a cidade, (outra maneira de olhar para o copo meio-cheio ...).

A solução apresentada para a margem Sul contempla a condução do comboio de Alta Velocidade através de um túnel com extensão de 3.5Km que mergulha sensívelmente junto ao hipermercado Feira Nova para voltar de novo à superfície no Vale do Trabuco.

Este túnel é acompanhado de perto por um outro túnel, desta feita rodoviário, com extensão prevista de 900metros, início junto ao Feira Nova e saída entre o Hospital e o campo dos Galitos.

O EIA analisa diversas vertentes do impacte ambiental, nomeadamente na Geologia e na Geomorfologia dos terrenos que interessam ao desenvolvimento da obra, nas águas superficiais e subterrâneas, no actual uso do solo, nos aspectos ecológicos, na paisagem, na qualidade do ar, no ruído e na vibração induzida nas construções existentes, o aspecto sócio-económico, no ordenamento do território, no património construído e na produção de resíduos.

“(Na margem sul) o traçado desenvolve-se em duas soluções alternativas, designadas por Solução A (Nascente) e Solução B (Poente). (...) O traçado da Solução A insere-se no corredor da Av. das Nacionalizações, ao passo que a Solução B contorna por Poente o núcleo urbano do Lavradio. As duas soluções apresentam um distanciamento máximo entre si de 300m.

(...) Na margem Sul o projecto contempla uma nova estação na zona do Lavradio, para o serviço (ferroviário) convencional , que desempenhará um papel central na mobilidade regional, já que servirá toda a população do Barreiro e Lavradio.”

In Terceira Travessia do Tejo – Estudo de Impacte Ambiental – Resumo não Técnico

Para a linha de comboio convencional está ainda pensada uma ligação à “zona industrial e portuária do Barreiro” entre a estação a construir no Lavradio e a rede existente no Quimiparque. Sabendo das dificuldades e da forma como a ADP e a FISIPE têm sobrevivido às convulsões da subida do preço do petróleo e da concorrência no mercado dos têxteis, apetece perguntar porquê esta ligação? Isso veremos na próxima postagem.

Olhando para as imagens facilmente se compreende a vantagem da opção B, no que à preservação do património construído diz respeito. Já relativamente à integração na paisagem cada uma das opções é suficientemente penalizadora para a cidade para se puder dizer que uma seja melhor que outra ou sequer menos má.

O próprio relatório assume “Também é certo que o impacte visual da ponte será sempre alvo de opiniões contraditórias envolvidas por um grau de subjectividade elevado, em boa medida resultado das experiências, formação e estética de cada observador pese embora a implantação de uma infra-estrutura com esta envergadura dê sempre origem a transformações consideráveis na paisagem.”

Para a componente Alta Velocidade (AV) “os principais impactes na paisagem ocorrem (...) na zona de entrada dos túneis da margem Sul.” A situação não é diferente para a linha de comboio convencional, seja qual for a opção considerada, “na zona do viaduto do Barreiro”.

Do ponto de vista da criação de impactes negativos o EIA conclui que “Quanto à componente rodoviária os principais impactes paisagísticos ocorrem na margem Sul ocorrem na margem Sul, com maior intensidade na alternativa A, e correspondem: às zonas de entrada do túnel do Barreiro, ao viaduto principal do Barreiro, ao viaduto da futura Estação do Lavradio, ao Viaduto Rodoviário 1 e à Ponte sobre o Rio Coina, integrada na Ligação Seixal/Barreiro.”

Sendo o que atrás se refere, válido para a Opção A e mesmo Estudo também admite que “no que diz respeito à comparação de alternativas a Solução B apresenta-se como ligeiramente mais favorável.”

Curioso, no entanto são as conclusões a que o EIA chega no tocante à qualidade do ar na margem Sul onde, diz sem se referir ao local de amarração da TTT mas antes generalizando para todo o concelho que “No concelho do Barreiro verificam-se ainda alguns episódios de qualidade do ar deficiente, em associação a concentrações elevadas de dióxido de enxofre. Neste caso, estas emissões resultam sobretudo das emissões das unidades industriais ali presentes”, para depois concluir que sendo assim os impactes mais importantes serão com as partículas que haverão em suspensão durante os trabalhos de construção.

Primeiro alarga-se a comparação ao concelho do Barreiro para depois apontar “unidades industriais” que na prática já estão desactivadas ou são em número muito reduzido. Em jeito de conclusão parece quererem dizer-nos que já que o ambiente é mau pode ficar pior. Conclui-se mesmo que “a nível local prevê-se a concentração de poluentes no ar, sobretudo dióxido de azoto. Em algumas zonas habitacionais são atingidos níveis elevados” como conclui ser o caso da Av. das Nacionalizações e zona do IC21, junto ao Hospital, Escolas Augusto Cabrita e Álvaro Velho (a Padre Abílio Mendes deverá desaparecer), Estádio Alfredo da Silva e Quinta dos Fidalguinhos, acrescento eu.

Do ponto de vista económico-social o EIA aponta para a criação de emprego durante a fase de construção, não nos podendo garantir, contudo, que estes empregos sejam preenchidos por gente local. A previsão é para um aumento do consumo de bens e serviços locais.

Após a fase de construção o EIA avança a hipótese de as zonas próximas dos locais servidos pela infraestrutura possam constituir-se como receptoras de população jovem em busca de local para se instalar e viver ou mesmo até empresas que permitam desenvolver a economia local, mas não deixa de lançar a hipótese de que isso só ocorrerá se não puderem instalar-se em Lisboa para onde, “se passará a ter acessos mais facilitados aos principais centros de educação, cultura, saúde e outros.”

Fico confuso quando se apresenta a TTT como uma espécie de aspirina mágica para, como refere o EIA “incentivar a reconversão das antigas áreas industriais” – as mesmas que algumas páginas antes produziam elevadas concentrações de dióxido de enxofre – “e a reconversão e reabilitação urbana das áreas degradadas, de génese ilegal ou sem qualidade, e a instalação de novas actividades económicas”.

Novas actividades económicas que, fica-se a saber, deverão procurar outras áreas de instalação fora da cidade do Barreiro, já que se anuncia que todo este desígnio nacional irá dar origem à “valorização e regeneração estratégica do território da Quimiparque (...) que visa a ampliação da cidade do Barreiro na direcção da Quimiparque (para Este e para Norte), tendencialmente”.

Ou seja a regeneração das áreas degradadas e a reconversão daquelas de génese ilegal ou sem qualidade será feita à custa de construção massiva para criar mais um dormitório em volta de Lisboa, mais uma periferia que permita fazer nascer a Loures do Sul.

Esta situação é, aliás, deixada em aberto ao referir-se que “Na fase de exploração o projecto poderá causar implicações ao nível da pressão urbana para densificação de núcleos urbano/industriais existentes e/ou surgimento de novos em áreas não previstas nos instrumentos de gestão do território”.



Meus senhores, senhoras minhas a Ponte já tem os pés nas duas margens, o que dela advier é sempre bom, depende apenas da capacidade de se saber aproveitar em proveito de todos o que ela nos poderá trazer. Há essa capacidade? Há essa intenção?

As gerações futuras irão saber.

Captain Jack