segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O que vão "eles" fazer do nosso Rio?


No seguimento do longo processo de reconversão da área do Quimiparque, que ainda ninguém percebeu a quem interessa mais, se ao accionista (Estado, via Parpública) se à autarquia barreirense, que não hesita em apresentar-se em todo o lado como signatário principal do processo, deixando à empresa do Estado o prazer de pagar a “conta”, a APL foi “convidada” a dar a sua contribuição para o referido estudo.

Desde o início que ouvimos o Prof. Augusto Mateus defender ideias e propostas que envolviam o Rio e a sua margem, nomeadamente a alteração da localização da actual estação fluvial para o interior do Quimiparque.

O próprio Metro Sul do Tejo (MST) teria a sua estação no mesmo local, criando um interface ferro-fluvial. Em todo este processo a Nova Cidade do Barreiro seria rasgada por um ampla avenida, aproveitando o que hoje é a área ocupada pelo terrapleno da linha férrea do Alentejo.

Decorridos todos estes meses em que se multiplicaram as reuniões e se ampliou a equipa de trabalho, que engloba agora a Parque Expo além de diversos técnicos da Câmara Municipal do Barreiro e alguns quadros de topo da Quimiparque, começam a surgir propostas de diversas entidades a quem foram solicitados estudos de possíveis soluções para zonas que directamente lhes interessem.

É o caso da APL (Administração do Porto de Lisboa) que, tendo contratado a Consulmar, a Bruno Soares Arquitectos e a DHV, apresentou o Estudo de Soluções Portuárias para a Área de Jurisdição da APL no Barreiro, que se debruça especificamente sobre as zonas actualmente exploradas pela Atlanport e LBC-Tanquipor.

Este Estudo apresenta uma solução que prevê a criação de uma frente portuária que não só integra as actividades existentes como também propõe a criação de uma área logística multimodal de mercadorias.

No Estudo desenvolvido a pedido da APL, todas as soluções apontadas assentam no pressuposto de que a altura útil para navegação, imposta pela TTT (Terceira Travessia do Tejo), não será inferior a 26.5 metros, para permitir a passagem de barcaças que possam transportar a sucata actualmente descarregada no porto do Quimiparque para a Siderurgia Longos.

Pela primeira vez se admite, e mesmo assim de forma confidencial, o facto de o Rio Tejo perder a sua capacidade de navegabilidade para montante da TTT para barcos que não sejam de pequeno calado.

Mas o que marca este estudo, numa altura em que tanto se fala da “muralha” de contentores que a Liscont pretende erguer em Alcântara, não é a perda de navegabilidade do Rio Tejo mas antes a possibilidade, apresentada como “uma oportunidade única na região” e “cujas “potencialidades interessa avaliar”, de criar uma área logística associada ao Porto de Lisboa.

A APL apresenta três possíveis soluções, tendo todas em comum a criação de terminais fluviais de contentores e de parques logísticos industriais de médio porte. O que difere nas alternativas apresentadas é a solução encontrada, em cada uma delas, para as actividades da Atlanport e da LBC-Tanquipor.

Numa primeira hipótese a APL propõe a manutenção da Atlanport no mesmo local onde agora se encontra mas construindo em aterro, um terrapleno de 6 hectares com cais acostável de 380 metros, para descarga de granéis sólidos (fundo a 8.5 metros) e outro cais (fundo a 5 metros) para carga de granéis sólidos, em barcaças.

O cais da LBC Tanquipor é deslocalizado 850 metros para jusante, relativamente à sua actual localização, sendo nesta proposta constituído por uma série de duques d’Alba (espécie de poitas ou maciços de amarração), fundo a 10 metros e uma plataforma de condutas para carga e descarga de grainéis líquidos.
A segunda e terceiras alternativas apresentadas, têm o mesmo modelo. A Atlanport abandona as suas actuais instalações, passando a operar imediatamente a jusante da TTT, numa plataforma com 7.3 hectares, duas frentes acostáveis, respectivamente com 380 metros de extensão e fundo a 8.5m e uma outra com 270 metros de extensão, fundo a 5.0 metros.

Refere ainda o estudo que esta plataforma acostável está destinada à “descarga de granéis sólidos (fundamentalmente sucata)”. Esta sucata será descarregada directamente dos navios que acostam nos (dois) cais de 8.5m de fundo e tornados a carregar em barcaças, único barco possível de acostar no cais -5.0m ZH, para serem transportados à Siderurgia Longos.

A LBC Tanquipor terá um ponto de acostagem, 320 metros a poente do porto da Atlanport, sendo a descarga, fundamentalmente de combustíveis líquidos, conduzida às suas instalações através de um sistema de condutas com 1400 metros de extensão.


Teria sido este factor que motivou a preferência pela Alternativa 3, por parte da Câmara Municipal e Quimiparque. A Alternativa 3 difere da Alternativa 2 porque considera o porto da LBC Tanquipor, afastado cerca de 450 metros para Norte do da Atlanport.

Nesta Alternativa o terminal da LBC Tanquipor tem uma extensão de 80 metros e é completado com uma série de duques D’Alba, para amarração. A descarga de combustíveis está ligada aos reservatórios de armazenagem, em terra, por condutas submersas que passam por debaixo do tabuleiro da TTT .

“Qualquer uma destas alternativas obriga à relocalização da bacia de manobra do terminal da Tanquipor e à correcção ao traçado do canal de acesso, envolvendo um volume significativo de dragagens de instalação”. Para além desta conclusão o estudo diz ainda que “ O transporte fluvial, por barcaças, da sucata descarregada no novo terminal da Atlanport, para a Siderurgia, ficará essencialmente dependente da viabilidade de dragagem do canal da Siderurgia (em fase de estudo pela APL) e da reabilitação do cais aí existente (técnica e economicamente viável), assim como da garantia de que a ponte do MST, que liga o Seixal ao Barreiro, possuirá um tirante de ar suficiente para permitir a passagem de barcaças rebocadas”, (9 metros para embarcações com mastreação rebatível e 16 metros para mastro fixo).

Mas a proposta APL para o desenvolvimento estratégico do Barreiro vai mais longe ao criar a Área Logística Multimodal do Barreiro (na imagem, envolvendo a actual LBC Tanquipor), a instalar na área de jurisdição da APL que, diz, “deve assumir-se como uma plataforma logística multimodal articulada com o Porto de Lisboa”.

Para esta valência pretende-se “uma área constituída por várias tipologias funcionais, podendo integrar as indústrias pesadas já existentes, indústrias ligeiras e espaços empresariais de serviços, entre os quais empresas logísticas de valor acrescentado e de distribuição. Esta área terá a particular vantagem de possuir um cais para a recepção de contentores, assegurando assim o transporte/escoamento fluvial de contentores, entre margens e com origem/destino nos terminais de Alcântara e Santa Apolónia”.

O estudo a que tivemos acesso, indica como actividades possíveis para a Área Logística Multimodal do Barreiro:
- recepção e transporte de contentores entre modos (destinos inicial e final)
- parqueamento de contentores vazios
- manutenção, reparação e limpeza de contentores/equipamentos
- consolidação, fraccionamento e armazenagem de cargas
- depósito alfandegário
- centros de empresas
- associações do sector dos transportes
- empresas de prestação de serviços a outras empresas
- centro de saúde, bombeiros, polícia, empresas de segurança
- bancos, restauração, comércio, ginásios
- serviços administrativos e do Estado
- centros de comunicações
- sede da Empresa de Gestão da Área Logística Multimodal do Barreiro

O próprio estudo tece ainda considerações quanto ao modelo de gestão a considerar para a Área Logística Multimodal do Barreiro, a qual deverá ser assegurada por uma sociedade gestora de capitais públicos ou mistos (públicos e privados), da qual poderão fazer parte “a APL, a CMB, Quimiparque, Tanquipor, Atlanport, entre outros”.

Quanto aos impactes ambientais o próprio estudo considera haverem factores negativos bastante significativos durante a fase de construção da Área Logística Multimodal do Barreiro, nomeadamente com a possibilidade do aparecimento de metais pesados (arsénio e mercúrio) durante a dragagem do rio. Também a movimentação de máquinas e equipamentos durante a construção, se traduz no aumento de veículos em circulação, do ruído, dos materiais poluentes e das poeiras em suspensão no ar.

Durante a fase de exploração as dragagens frequentes, quer do canal de acesso à Siderurgia, quer dos restantes canais de navegação, bacias de rotação e de manobra, implicam a remoção e mexida de metais pesados que existem no leito do rio.

Também o nível de ruído poderá ser ligeiramente superior ao actualmente registado e a qualidade do ar poderá ressentir-se devido “à emissão de poluentes atmosféricos resultantes do acréscimo de tráfego automóvel pesado”. (...) “Neste sentido a implantação de uma área logística e multimodal poderá contribuir para um agravamento da situação actual (fortemente condicionada pala actividade industrial), facto que constituirá um impacte negativo, significativo e permanente, embora geograficamente localizado à zona prevista para a sua implementação”, refere o estudo- proposta.

Estas são as propostas da APL para a zona ribeirinha sobre a qual tem jurisdição.

Basicamente, qualquer que seja a proposta, continuaremos a ter a movimentação de sucatas na nossa cidade, e com esta proposta até em maior quantidade segundo parece. Deixaremos de ter os camiões a circular no IC21 mas, em contrapartida teremos barcaças no rio, a transportar essa mesma sucata até à Siderurgia.

Ao largo, a nossa vista sobre Lisboa passará a ter no campo de visão a descarga de combustíveis e, se estas propostas forem avante, teremos também na margem sul, a parte do negócio de trânsito e carga que não interessa a Lisboa.

A APL, como se viu, prepara-se para colocar no Quimiparque as actividades de reparação e conservação de contentores, com os inconvenientes que este tipo de actividade arrasta consigo, tendo escolhido para esse efeito dois locais, junto à zona de tancagem da LBC que, ao ser fisicamente cercado pela futura área logística do Barreiro, deixará de ter espaço para se expandir.

Certamente, quando esta proposta for tornada pública, estas as actividades serão apresentadas como geradoras de emprego e, provavelmente, até nos dirão que incorporarão as mais modernas tecnologias e empregarão técnicos qualificados (para carregar contentores em barcaças!).

Actualmente, as empresas instaladas no Quimiparque, não possuem mão-de-obra qualificada (esta é pelo menos a imagem que conhecemos) mas, o que a APL propõe, não trás valor acrescentado além de contribuir para o aumento da poluição do ar e do rio.

O transporte e movimentação de sucatas é responsável pela produção de nuvens de pó de materiais ferrosos que, se em grande quantidade, podem tornar-se um problema de saúde pública, poluindo o rio e a própria cidade.

Quanto à área logística, quem não se lembra do aspecto da zona do Poço do Bispo e do parque de contentores da Matinha, em Lisboa, antes da Expo 98? Esta é a paisagem que iremos ter nos terrenos contíguos à FISIPE e CPPE.

Mas esta proposta, a ser aceite, poderá ter também efeitos negativos para todo um conjunto de projectos com os quais nos vêm acenando há bastante tempo. Refiro-me à célebre Cidade do Cinema, à criação de uma zona ribeirinha dedicada ao lazer e a actividades lúdicas e à instalação de empresas de serviços e de novas tecnologias.

Que empresário quererá instalar a sua empresa com vista para um terminal de contentores ou para um cais de descarga de sucata, transportada em barcaças?

Parece-me que o autismo e incapacidade dos nossos autarcas, demasiado embevecidos pelo sonho megalómano de construir uma nova cidade nos terrenos do Quimiparque, pelos milhões de euros em taxas de construção e IMI que isso significa, nos está a conduzir para uma realidade bem pior que aquela que temos vivido nas últimas décadas da cidade.

Estamos a “navegar à vista”, sem uma estratégia definida e outro objectivo que não seja a criação de condições para favorecer a especulação imobiliária. Enquanto isto vamos assistindo a um estranho relacionamento de “amizade” entre a Quimiparque e a Câmara Municipal do Barreiro, com a primeira oferecendo terrenos e abrindo a bolsa para satisfazer os apetites da segunda.

Foi assim com a cedência de terrenos para se construírem os acessos ao Forum Barreiro, como já antes tinha sido com a cedência das instalações da antiga fábrica da SOTINCO/CIN à autarquia, com o projecto da Rotunda no Largo das Obras e será assim quando se partir em dois o parque empresarial em nome do acesso ao centro da cidade (entenda-se Forum Barreiro).

Mais uma vez caberá à Quimiparque o pagamento da factura para viabilizar o investimento na especulação imobiliária daqueles que promovem uma nova cidade assente em andares que ficam por vender e empregos que não se criam, mesmo que isso signifique o sacrifício das condições oferecidas às empresas instaladas.

Há que saber aproveitar a nova centralidade no arco ribeirinho sul, que o Presidente Carlos Humberto não se cansa de repetir que vamos ser. Mas nada ainda foi feito. Continuamos sem identidade nem ideias próprias, copiamos estereótipos e apostamos, para motor do desenvolvimento da cidade, em projectos imobiliários como o da Quinta das Cordoarias, ou o Forum Barreiro, como gerador de emprego.

Agora que já abriu portas, é tempo de perguntar onde estão os 3000 empregos apregoados para o Forum Barreiro (1000 directos e 2000 indirectos - inJornal do Barreirode 31 Outubro 2008)?

Minhas senhoras, meus senhores, estão a vender-nos ilusões em forma de ponte sobre o Rio Tejo, futuros risonhos com edifícios de luxo e lojas de marca a sortearem automóveis topo de gama, do mesmo modo que há 34 anos nos prometeram uma vida melhor.

É isto que queremos? É nisto que acreditamos? Temos razões para acreditar nestes profetas? É fundamental pensarmos pela nossa cabeça e expressarmos as nossas ideias e opiniões. Não podemos deixar-nos levar por políticos interessados em defender interesses que não são os nossos (eventualmente serão os deles).

Do Vosso Captain Jack


Nota para a nossa leitora do Porto:

Os edifícios do Largo das Obras foram adquiridos há cerca de 7 anos por uma empresa com sede em Gibraltar, integrados num lote de imóveis que foram vendidos em licitação pública.
Na altura um jornal nacional chegou a noticiar ter sido um negócio com contornos pouco claros, envolvendo conhecidas personalidades da cidade, alguns deles com responsabilidades políticas.
Nada ficou esclarecido.
Presentemente, apesar de ocupados por 3 ou 4 famílias, estão ao abandono.