Um Olhar Sobre o BARREIRO
PORQUÊ ESTE BLOG?
Nascido em Lisboa vivi, contudo, a maior parte da minha vida na cidade do Barreiro onde aprendi a conviver com a “gasaria”, como outrora se chamava à poluição que, em dias nublados se transformava naquela espécie de nevoeiro que nos picava a garganta.
Como tantos outros miúdos de então fui a banhos para o Clube Naval Barreirense e ouvi, como todos eles, as histórias do Rei D. Carlos que, também, para cá teria vindo “a banhos”. “Por causa do iodo”, diziam todos, e acrescentavam, orgulhosos, que a praia “tem (tinha) mais iodo que as da linha!” (na altura o Algarve pertencia à Torralta, em Alvor, e o resto eram alfarrobeiras).
Vivi e convivi, no Barreiro, com os meninos filhos dos engenheiros da CUF e com os outros do Bairro das Palmeiras, com os da Quinta da Amoreira e com os da Recosta. Joguei à bola com todos eles e à pedrada também (a rapaziada divertia-se “à brava” naqueles tempos!).
Vibrei com as matinées no cinema da CUF, no Cine Barreirense e no dos Ferroviários. Bati palmas à “Mary Poppins”, vi a “Música no Coração”, chorei com o “Bambi” e ri com “Cheety-Cheety-Bang-Bang”.
O 25 de Abril apanhou-me de calções na Escola Álvaro Velho mas ainda me lembro de como as ruas se encheram de gente no primeiro 1º de Maio, quando todos ainda eram amigos de todos, as fábricas da CUF e a CP ainda davam trabalho a meia cidade e o comércio local garantia o resto.
Vivi a adolescência nos bailes do 22 de Novembro, nos dos Franceses e nos dos Penicheiros. Aprendi a jogar bilhar no Luso, Snooker no Barreirense e Flippers no Café Barreiros (aquele que está a cair, não sei se por falência da estrutura do edifício ou incompetência dos homens, li no Barreiro Velho, a quem também a mesma “doença” vai fazendo cair, casa a casa no silêncio do esquecimento).
Bebi a primeira bica na Boleira do Parque, comi a primeira tosta mista no colega e a primeira imperial no Caveira.
Fiz o meu primeiro exame na Escola Conde Ferreira, outros no liceu dos Casquilhos e, o último, na Faculdade, em Lisboa.
Viajei muito e conheço muito Mundo. Estive em Madrid, Paris, Londres, Hamburgo, Oslo, Estocolmo, Viena, Roma, Belgrado, Atenas, Istambul, Cairo, Barcelona, Havana, Zagreb, Dubrovnic, Salzburgo, Andorra, Marselha, Gottemborg, Amesterdão, Bruxelas, Copenhaga, Nova Iorque, mas regressei ao Barreiro para o ver morrer, devagar, como a vela que se extingue por não haver mais pavio para arder.
Voltei ao Barreiro para assistir à promoção social dos antigos cábulas, gente prendada e esperta que sempre se soube insinuar, ao estrelato dos alunos da última fila da sala, ao controlo exercido por aqueles que sempre foram mandados para encobrir o mandante.
Voltei ao Barreiro para ver as ruínas daquele que foi o maior complexo industrial químico da Europa, agora a ser alvo do apetite imobiliário desenfreado alimentado pelas ideias megalómanas de quem, sabendo que não será responsabilizado, se permite “matar o que ainda mexe”.
Voltei para assistir à morte da linha de comboio, e da Estação de onde partiam os comboios que ligavam Lisboa ao Sul do país. Por esta linha e nesta Estação desembarcaram os pais dos Barreirenses e os jornais que nos trouxeram as primeiras notícias do resto do país. Foram os barcos que atracavam nos cais desta Estação que trouxeram os jornais que anunciaram a morte de D. Carlos, a subida ao poder de Salazar e transportaram os Barreirenses que viveram o 25 de Abril, ao desembarcar no Terreiro do Paço, em 1974.
Voltei ao Barreiro para assistir à morte do comércio local, com montras onde o tijolo substituiu o vidro enquanto, com pompa e circunstância se anuncia um futuro cheio de Centros Comerciais, ali mesmo no centro da cidade, pontes para Lisboa e Seixal, uma mega urbanização, muito “Expo”.
Não sei se ainda cá estarei quando esta montanha parir o habitual to dos projectos falhados e o Barreiro se tiver que confrontar com a realidade dura do desemprego, maior que o que já existe e a fome que alimenta aqueles que, do Bairro das Palmeiras e do Barreiro Velho fazem fila, aos Sábados, junto à Quimiparque, onde buscam ajuda alimentar.
Não tenho medo que me acusem de pessimista e conservador, de ser daqueles de ter medo da mudança e da modernidade, prefiro isso a ser acusado pela minha consciência de ser conivente com aqueles que, para proveito próprio jogam o futuro de todos na roleta da sua própria ambição.
Ao longo dos próximos tempos deixarei na Net o que me vai na alma sobre muitos dos temas (e das promessas) em que tantos se empenham. A História será, como sempre foi, o melhor juiz daquilo que seremos capazes de fazer nos próximos anos, e estes textos servirão para mostrar o que se prometeu e o que realmente se fará.
Podem chamar-me Velho do Restelo, Arauto da Desgraça, Retrógrado, Incapaz, Desiludido da Vida, até mesmo Falhado que, tais epítetos, senhores meus minhas senhoras, não me servem, saibam antes que prefiro assinar estes textos que prometo continuar neste blog, como Captain Jack.
Captain Jack