domingo, 29 de junho de 2008

INDIANA JONES E A CIDADE DO CINEMA

Em primeiro lugar deixem-me que vos peça desculpa pela escrita tardia desta postagem mas, confesso, acalentava a secreta esperança que o Sr. Carlos de Mattos, ilustre investidor da Cidade do Cinema, me viesse visitar, tal como fez à Quimiparque.

Hoje, 15 dias volvidos sobre a sua visita ao Barreiro, começo a ter algumas dúvidas que Carlos de Mattos me honre com a sua visita. Ainda acalento contudo a esperança que me explique, talvez por carta, fax ou mail, o que ainda não explicou a ninguém: Como é que um projecto tão apetecível, não consegue despertar interesse em cidades como Cascais, Sintra ou mesmo Oeiras, onde já existem infra-estruturas como o Tagus Park?
Carlos de Mattos a pensar na
Cidade do Cinema

Como é que um homem que lida com milhões de dólares, almoça com Spielberg* e George Lucas, tem um excelente relacionamento com o clã Kennedy, conhece Bill Clinton e George Bush, ainda não conseguiu, em mais de 10 anos de contactos, construir a sua cidade do cinema, em Portugal que “é uma segunda Califórnia”?

* “O Steven Spielberg, por exemplo, até há alguns anos ia várias vezes ao meu escritório, almoçávamos juntos, falávamos de tudo. Depois de ‘A Lista de Schindler’ anda tão ocupado que telefono-lhe e não me responde.”
Entrevista a Carlos de Mattos In Correio da Manhã de 30 de Abril de 2006

O capital social do Quimiparque é de cerca de 90Milhões de dólares. Este valor é apenas parte do investimento realizado em filmes como Waterworld, um enorme fiasco comercial diga-se “en passant”, “The Legend”, ou “Sin City”, uma obra carregadinha de efeitos cinematográficos e tratamento computadorizado.

Nenhum destes foi “blockbuster”, tendo mesmo ficado, em termos de receitas, muito aquém das expectativas, mas todos eles facturaram muito mais que o que seria necessário para comprar o Quimiparque, inteirinho, e nele construir, depois, as “Cidades do Cinema, do Teatro, do Circo ou das Telenovelas” que se entendesse.

Para se fazer ideia dos milhões que movimenta a indústria cinematográfica nos EUA, onde Carlos Mattos está inserido, vejamos o exemplo de facturação de alguns filmes que, contudo estão longe de serem s mais rentáveis:
. Salteadores da Arca Perdida (1981) - $209Milhões
. Indiana Jones e o Templo Perdido (1984) - $180Milhões
. Indiana Jones e a grande cruzada (1989) - $197Milhões
. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal – (2008) - $683Milhões
. A Múmia (1999) - $155Milhões
. O Regresso da Múmia (2001) - $202Milhões
. Tomb Raider I (2001) - $131Milhões
. Tomb Raider II (2003) - $65Milhões
Indiana Jones a trabalhar no projecto da Cidade do Cinema

Num mercado em que cada filme movimenta mais capital que o equivalente ao património do Quimiparque, porque pede este empresário de sucesso em Hollywood, (fundador da CDM Interactive, empresa que fabrica e comercializa equipamentos, em particular sistemas de iluminação, para filmagens e espectáculos, apadrinhado por Akira Kurosawa, que entra no mercado cinematográfico a fabricar tripés, recebe a consagração pela invenção de uma grua para filmagens usada pela primeira vez em “ET – O Extraterrestre”), 30 a 40 hectares de terreno?

Porque não reúne ele os dólares necessários e simplesmente compra o Quimiparque, o Tagus Park ou mesmo um dos dois terrenos do Concelho da Azambuja onde a PRISA pretende instalar os seus estúdios de produção de televisão?

Com muito menos tempo de negociação o autarca da Azambuja ofereceu à Prisa duas alternativas, a primeira num terreno que fica na freguesia de Alcoentre, junto da Quinta da Torre Bela, com uma área de 40 hectares e o segundo, com uma área semelhante, numa quinta da freguesia de Aveiras de Baixo.

Ambos estão servidos por bons acessos rodoviários, com a Auto-Estrada do Norte (A1) e a linha de caminho de ferro próximas. As condicionantes existentes em ambos os casos para a construção, já que os terrenos estão classificados como Reserva Agrícola Nacional (RAN), não parece ser preocupante para o presidente da câmara local que desvaloriza este aspecto porque “as classificações serão alteradas até porque será um PIN (Projecto de Interesse Nacional) e essa condição é suficiente para que sejam levantadas as condicionantes impostas pelo Plano Director Municipal (PDM) em vigor e em fase de revisão”.

Qual é a diferença entre esta situação e a da “nossa” “Cidade do Cinema”?

No caso da Azambuja, o grupo espanhol Prisa, que detém a Média Capital e a TVI, que tem capacidade de investir e um projecto concreto, pretende construir um centro de produção de cinema e televisão e anunciam a criação de mil postos de trabalho, a maioria dos quais qualificados, para um espaço que deverá acolher também os novos estúdios da TVI.
In O MIRANTE - Semanário Regional - Edição de 06-03-2008 – busca Google por “Cidade do Cinema”

O projecto “Cidade do Cinema” no Barreiro abrangerá, segundo um dos seus responsáveis, as áreas do cinema, televisão, publicidade e media contemplando também um pólo universitário.

Em nome de Carlos de Mattos, o seu representante em Portugal, fala da criação de uma “Media City” ao lado de uma “Cinema City”, que contemple ainda áreas de entretenimento e de organização de eventos. Esta foi pelo menos a versão de 12 de Junho de 2008.

Relativamente a postos de trabalho, o projecto do Barreiro é apresentado como podendo chegar aos 9 mil, dos quais 3 a 4 mil serão directos.
In Rostos.pt edição de 12-06-2008

Também ficamos a saber que devido às novas tecnologias, que os espanhóis da Prisa não devem conhecer, o projecto barreirense vai caber em apenas 20 hectares (há 6 anos necessitava de 40hec) enquanto que a Hollywood ribatejana necessita de 40 hectares para criar “apenas” 1000 postos de trabalho.

Que vos parece esta conversa toda? A mim suscita-me as dúvidas que sempre suscitou, desde o início.

Quem cria réplicas do Titanic, em estúdio, para filmar a sequência do afundamento do célebre navio, quem investe centenas de milhões de dólares em filmes que “vivem” meia dúzia de meses nas salas de cinema e no mercado associado de merchandising, quem vai para o Haway, as Seychelles ou qualquer outra parte do mundo só para filmar um par de sequências de um filme, não precisa que lhe ofereçam 40 hectares de terreno.
Compra o Quimiparque por inteiro!

Com a primeira produção “à americana” paga grande parte do investimento e mesmo que o negócio dê para o torto ainda tem o património que lhe garante o valor investido.

Mas os pormenores desta grande produção da “Cidade do Cinema” são mais conhecidos fora do Barreiro do que na cidade que a verá (?) nascer e por aqueles que nela vivem.

O site http://fabricadeconteudos.com, na sua edição de 25-06-2008 noticia:

A cidade do Barreiro pode receber em breve um estúdio de cinema e uma universidade ligada ao entretenimento, numa iniciativa inserida no âmbito do projecto «Cidade do Cinema», a criar na margem Sul do Tejo.

O projecto deverá arrancar já depois do Verão, a edificar num terreno já negociado com a autarquia local, e cujo investimento deverá rondar os 300 milhões de euros.

Em declarações à Renascença, o dinamizador desta iniciativa, Carlos de Matos, salienta que o projecto prevê a criação de um estúdio de cinema de nível internacional e uma universidade ligada ao entretenimento, comunicação e tecnologia.


O Rostos, publicação de referência no Barreiro, muito bem relacionada com o poder local, situação indispensável para se poder dar notícia de qualidade, nada refere acerca destas afirmações pelo que se conclui nada ter sido dito sobre estes aspectos na reunião de 12-06-2008 no Quimiparque.

Refere, no entanto, este órgão informativo, que Eduardo Martins, “a face visível do projecto em Portugal”, começou por realçar a entrada do australiano Wayne Boss no projecto, afirmando que “ é um parceiro que vem dar a dimensão de media que nos faltava e enriquecer ainda mais este projecto”.

De Wayne Boss sabe-se que é australiano e um dos accionistas de referência da maior empresa de software australiana – a Telstra – que adquiriu recentemente a Sausage Software Company. Está também ligado ao mercado dos media através da produção de jogos e DVD’s.

Mas, Sr. Carlos de Mattos, que é feito da Disney, da Pixar, da Fox (esta até mandou fax confirmando o seu interesse), da portuguesa YDreams e outras importantes companhias do mundo do cinema?

Que é feito do seu tanque gigante para filmagens que envolvam água como em ‘Titanic’, os teatros, os restaurantes, os espaços de lazer, que publicitou ao “Correio da Manhã” em 30-04-2006, quando também referiu “É agora ou nunca.”

Afirmou o porta-voz de Carlos de Mattos, que “não há qualquer deslocamento ou atraso no projecto por causa da câmara ou do Quimiparque”, afirmou mesmo que “as razões que levaram a que o “processo não avançasse com a velocidade que todas as pessoas querem” se deve ao facto de que a evolução das tecnologias levou a que o projecto, com mais de uma década, tivesse de ser actualizado.

Explicou depois que com a “utilização das 3D”, as artes gráficas e os cenários virtuais, “a realidade é completamente distinta. Há muito trabalho que é feito em laboratório e estúdios de media”. Assim, termina dizendo, “foi quase partir da base zero do que tínhamos feito, quando iniciamos este projecto para Portugal.”

Meu Deus, que desculpa esfarrapada, que conversa para ingénuos, a tentar esconder o que é óbvio. Então em 2006, quando Carlos de Mattos dá ao jornal Correio da Manhã a entrevista do “Agora ou nunca” já não haviam tecnologias 3D? A Pixar e a Disney são o quê, companhias para as quais as novas tecnologias se resumem aos microondas?

Não estaremos, meus senhores, equivocados quando pensamos que os barreirenses vão em “conversas da treta”? E olhem que não me refiro aquele produto de media com o António Feio e o José Pedro Gomes.

Enquanto escrevia esta postagem recebi um e-mail do meu amigo Indiana Jones que passo a reproduzir na íntegra (depois de traduzido, claro):

Dear Captain (esta parte não traduzi)

Envio-te este e-mail (“e-mail”, também não traduzi) em nome do Carlos. Ele teve que sair à pressa para telefonar ao Spielberg, que continua sem lhe responder aos telefonemas, mas, sabes como é o Carlos, nunca desiste, nem que demore 10 anos ...

Quero que saibas que lhe disse que pelo menos deveria ter-te enviado um SMS, mas ele estava mesmo cheio de pressa. Como teve que reformular e começar do zero o projecto da Cidade do Cinema e as obras vão já começar em 2009, não pode perder tempo nenhum.

Eu sei que não acreditas neste projecto da “Cinema City”, como lhe chama o Carlos, mas olha que quem começa a fabricar tripés, que são coisas que conseguem ficar de pé só com três pés e triunfa, pode muito bem ser capaz de tudo.

Juntou ao projecto o australiano Wayne Boss que é assim uma espécie de rei do DVD lá para os lados de Sidney. Quem mo garante é o Crocodile Dundee que até há alguns anos ia várias vezes ao meu gabinete em Marshall College, almoçávamos juntos e falávamos de tudo. Depois de ter conhecido a Linda Koslowski anda tão ocupado que telefono-lhe e não me responde.

Olha Captain (não traduzi “Captain” para não terem dúvidas que o e-mail é mesmo verdadeiro!), não é justo o que andam a fazer com o Carlos. Estou desconfiado que se ele tivesse falado com o Isaltino... eu ainda lhe dei o contacto do sobrinho que é taxista, mas ele não quis.

O Carlos acredita no Barreiro, gosta das águas sujas do Tejo, das descargas de sucata ferrugenta no cais do Quimiparque, do caos urbanístico da cidade e, principalmente da iminente derrocada do casario no Barreiro Velho, que lhe lembram o suspense (reparem que também não traduzi “suspense”) dos meus filmes. Por tudo isto ele diz que o local lhe faz lembrar uma segunda Califórnia.

Por isto te peço, Capitão (no original “Captain”... é inglês), que o ajudes, que movimentes os teus conhecimentos, intercedas pelo rapaz junto dos teus amigos e avancem juntos para a “Cidade do Cinema”.

Olha, Captain (agora mantive o original, em inglês), se o ajudares prometo-te uma estrela no passeio da fama!

Sempre ao dispôr, Indy

Confesso, meus senhores, senhoras minhas, que este e-mail me deixou tão comovido que já nem li o outro que tinha da Lara Croft. Fiz de seguida vários telefonemas para amigos e conhecidos, dei início a uma petição a favor da “Cidade do Cinema” e estou finalmente em condições de vos dizer que “é agora ou nunca”!

Captain Jack

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Vénus de Milo, a Sereia de Copenhaga e a estátua de Alfredo da Silva


O que têm estas três estátuas em comum? Aparentemente nada. A primeira está exposta em Paris e tem mais de 2000 anos, a segunda está sobre uma pedra na capital dinamarquesa, desde 1913 e, em 1965, a terceira foi inaugurada numa praça pública de uma cinzenta, triste e desconhecida cidade chamada Barreiro.

O elemento comum não é, como se vê, a geografia.

A Vénus de Milo é uma estátua grega que mede 203 cm de altura, foi esculpida em mármore e simboliza a beleza física e o amor. A pequena sereia dinamarquesa, pequena de mais para que se revele a sua altura, foi fundida em bronze em homenagem a Hans Christian Andersen, e é uma personagem imaginária de um conto de encantar, deste escritor dinamarquês.

A estátua de Alfredo da Silva, em bronze, com 360 cm de altura simboliza o espírito empreendedor daquele que foi chamado o “Capitão da Industria” e é uma homenagem a um homem que tem o seu lugar na história deste país.

Também por aqui não vamos lá. Não têm de comum nem os criadores, nem as dimensões e muito menos o que simbolizam. Duas delas, que se saiba, curiosamente feitas do mesmo metal, são homenagens a pessoas a quem o seu respectivo país reconhece mérito.

Se teimarmos em encontrar um ponto comum entre estas obras de arte seremos forçados a admitir que este aspecto reside na desilusão que nos causam.

A Vénus foi encontrada em 1820 na ilha de Milo por um pescador que não sabendo o seu real valor a tentou vender a oficiais franceses. Como estes demorassem muito tempo a decidir-se ofereceu-a também ao exército turco que de imediato se prontificou a levá-la para a corte.

No meio de um rocambolesco incidente a estátua acabou a bordo de um barco francês que a trouxe para Paris, deixando, perdidos nas ruas da ilha de Milo, os dois braços que lhe faltam. Verificou-se mais tarde que a amputação era ainda maior do que se pensava inicialmente. A figura estaria apoiada numa coluna e teria pulseiras e uma tiara em ouro, como parecem mostrar os diversos orifícios que existem na estátua e que seriam os pontos de fixação destes ornamentos.

Atraindo multidões ao Louvre, onde está exposta, não deixa de constituir uma certa desilusão, para os amantes da arte, não a poderem apreciar na sua forma original, isto é, completa.

A sereia de Copenhaga reserva a todos quantos a visitam a desilusão da sua pequena dimensão, mais acentuada porque somos obrigados a observa-la de cima.

Já a estátua de Alfredo da Silva constituiu, desde sempre, uma enorme desilusão para aqueles “defensores” da classe operária que nunca conseguiram ofuscar o brilho da imagem do que este homem representa para a generalidade dos barreirenses.

Escreveu o poeta que “aqueles que por obras valerosas/Se vão da lei da Morte libertando” mereciam que ele os cantasse por toda a parte, “Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”

Arte e engenho talvez existam ainda hoje mas para enganar os ingénuos e incautos. Para enganar os que seguem cegamente os “presidentes de clube” ou os pseudo messias que surgem com a solução “ovo de Colombo” que aqueles que os antecederam não conheciam.

Com a actual polémica sobre a mudança da estátua de Alfredo da Silva estamos perante uma das muitas manobras de viciação dos factos para condicionar a opinião pública. Temos assistido a um desfilar de argumentos que vão desde os mais pueris, como o facto de a base da figura causar problemas técnicos à solução proposta pelo arquitecto Joan Busquets, ou o facto de todo o arranjo ser de três autores diferentes e como tal ser impossível conciliar estas linguagens com a proposta para o novo Mercado Municipal.

A verdadeira questão continua a ser o simbolismo que a estátua tem para o povo do Barreiro. Independentemente da personalidade do homem ou das suas ideias políticas, das benesses que recebeu (ou não) do regime e do preço que teve que pagar por elas (ou não), aquilo que o Barreiro recorda é a época em que trabalhar na CUF era sinónimo de segurança.

O que aquela estátua trás à memória dos barreirenses é a lembrança do tempo em que o Barreiro tinha cinemas, uma piscina, dois clubes na primeira divisão de futebol, uma actividade comercial próspera, emprego para 12000 pessoas directamente na CUF, o primeiro supermercado da era moderna (Pão-de-Açucar, lembram-se, onde hoje é o “Recheio”?), um patrono que construiu um externato infantil e o “vendeu” para Liceu, uma escola industrial e comercial que preparava os jovens para a vida do trabalho, ensinando-lhes uma profissão (desde serralheiro mecânico a analista químico, passando por torneiro mecânico, soldador ou electricista).

O que aquela estátua recorda ao povo do Barreiro era a qualidade de vida que se vivia na cidade onde a CUF e a CP garantiam o desenvolvimento e contribuíam, para lá da sua actividade, financiando a construção de bairros de habitação como é o caso do “Bairro da Câmara”, ou com a criação de serviços sociais, assistência médica e despensa de produtos alimentares, quando em Portugal ainda não havia um sistema de Segurança Social do próprio Estado.

Mas, olhando para aquela estátua os barreirenses recordam também a possibilidade de terem dado aos seus filhos os cursos que eles próprios não tiveram a oportunidade de tirar. O Barreiro possui entre os seus nativos uma percentagem de licenciados superior à média nacional. Alguns nomes conhecidos da generalidade dos portugueses, desde actores, jornalistas, advogados, juizes, médicos, engenheiros, arquitectos e até políticos são filhos da cidade e hoje profissionais consagrados nas suas áreas.

Mais do que recordar Alfredo da Silva, aquela estátua remete-nos para o tempo em que se desenvolvia a cidade, em que o nível cultural dos seus habitantes permitiu o florescimento de colectividades que, a coberto dos bailes de carnaval ou dos santos populares, desenvolviam um importante papel de consciencialização social. Faz-nos lembrar quando se faziam obras públicas como construir uma rede de saneamento básico, de abastecimento público de água, a criação de uma rede de transportes públicos ou a manutenção dos arruamentos.

Era toda uma cidade (ainda vila, nesses tempos) que tinha dinâmica própria e gente competente a gerir os seus destinos e não políticos com cassetes convertidas para CD, em novas versões dos discursos inflamados feitos aos portões da CUF/Quimigal, prometendo-nos futuros risonhos que, trinta anos volvidos, continuam sem se tornar realidade.

Nesta fase final do ataque ao que resta da memória do que outrora foi esta cidade, tentam re-escrever a história, apagando as referências que existem daqueles que o povo ainda recorda e a quem reconhece a valia de ter transformado uma vila piscatória que vivia, sazonalmente, da cortiça, num dos mais avançados complexos tecnológicos europeus da década de sessenta.

Em toda esta questão não me parece importante se a estátua fica no mesmo lugar ou se é transferida para outro. Preocupam-me muito mais os valores que esta decisão põe em questão. Que valores estamos a passar aos nossos filhos? Que as estátuas, geralmente homenagem aos notáveis de uma determinada época, podem ser mandadas para o “lixo”, guardadas num qualquer armazém como se tivessem prazo de validade?

Como se define o prazo de validade de uma atitude meritória, de uma figura que se destacou na sociedade, de um facto histórico ou de um acto de heroísmo?

Estará a estátua de Afonso Henriques, na cidade berço, dentro do prazo de validade ou pode ser mudada para um armazém na Azambuja para se poder transformar o Castelo de Guimarães e zonas envolventes num imenso centro comercial tipo Forum Barreiro, com umas centenas de fogos de habitação à mistura?

E que tal se seguíssemos a mesma linha de raciocínio e mudássemos também a estátua de Fernando Pessoa para, digamos, a Rua da Betesga? Sempre poderíamos garantir mais uma mesa de esplanada para nela se sentarem quatro “camones” ...

Movidos por esta ideia também poderíamos arrasar o Padrão dos Descobrimentos para melhor “devolver o rio à cidade de Lisboa”, os lisboetas puderem desfrutar da zona ribeirinha de Belém sem nada a tapar-lhes a vista, tanto mais que, hoje já não é mistério, sabe-se que a epopeia dos Descobrimentos Marítimos foi uma exploração do proletariado de 1500 e uma colonização subjugadora dos povos irmãos dos novos países de expressão portuguesa, em África.

É o respeito pelo passado que nos garante a História e é a História que nos permite aprender com os erros do passado. O povo judeu continua a visitar Auschwitz apesar de este lugar lhes trazer dolorosas recordações, mas faz questão de não deixar morrer a memória para que o passado não seja esquecido.

No Barreiro somos diferentes. Gastámos 50.000 contos numa “obra de arte” para a rotunda da Escola Álvaro Velho, inaugurámos um Memorial a Catarina Eufémia no parque municipal que recebeu o seu nome e preparamo-nos para esconder a estátua de Alfredo da Silva, num qualquer canto onde não chateie, como se este não tivesse feito nada pelo Barreiro.
Como futura localização da estátua começou por se falar na nova rotunda do conhecido Largo das Obras para rapidamente já se terem levantado hipóteses de o transladar para o seu mausoléu, no interior do Quimiparque ou para a frente do pavilhão gimnodesportivo do GDFabril. Por enquanto está guardado num armazém.

"A estátua já está a ser retirada devido às obras que decorrem para construção do novo Mercado 1º Maio e zona envolvente. É certo que a estátua não pode ficar naquele local. No executivo da Câmara já falámos sobre isso apesar de ainda não haver uma decisão pois a situação vai ser analisada na Assembleia Municipal", disse à Lusa Joaquim Matias, vice-presidente da Câmara do Barreiro.

“Nesta altura existem várias hipóteses e uma delas é colocar a estátua numa nova rotunda na zona do Largo das Obras (junto à entrada do Parque Empresarial da Quimiparque), mas existem outros locais, como o interior da Quimiparque", explicou o vice-presidente.

"A estátua é um obstáculo para uma praça ampla, com espaços comerciais e esplanadas, pois na zona o seu conjunto corta e divide aquela área", concluiu.
In “Noticias.rtp.pt” chave de pesquisa: “estátua de Alfredo da Silva”

Sobre o assunto, na sessão da Assembleia Municipal de 15 de Maio de 2008, o Presidente Carlos Humberto, explicou que "Fomos nós, e não o arquitecto Joan Busquets, que pensámos que a estátua não é compatível com a praça que pretendemos e demos essa indicação ao arquitecto. A estátua por si só, sem o pedestal e espelho de água, não vejo problema, agora como está não é compatível", disse.

"Os três elementos pertencem a artistas diferentes e devem ser vistos como um todo. Tem que se ter sensibilidade", acrescentou

"O Largo das Obras é uma hipótese, mas existem outras como dentro da Quimiparque ou junto ao estádio Alfredo da Silva. Ainda não há decisão e até entendi que não se devia retirar a estátua, devido aos trabalhos de construção do mercado e requalificação da zona envolvente, antes desta assembleia", explicou.

Nesta sessão da Assembleia Municipal a bancada do PS apresentou uma proposta para que fosse feito um referendo local sobre o assunto para que a população se pudesse pronunciar quanto à retirada ou manutenção da estátua, no entanto a abstenção do PSD e do BE deram origem à rejeição da mesma com os votos do PCP.

Apetece fazer algumas perguntas:
Quem tem medo da opinião do povo do Barreiro?
Que direito tem o executivo camarário de desrespeitar o passado histórico do Barreiro?
Que direito têm os gestores autárquicos de imporem uma filosofia de projecto a um arquitecto como Joan Busquets? Ou será que ele foi escolhido porque se predispôs a fazer tudo quanto lhe pedissem e não pela sua inquestionável valia técnica?
Como pode Joan Busquets ter contribuído para a reconversão do bairro catalão de Poblenou, em Barcelona, onde se fez questão de manter 144 elementos arquitectónicos característicos da zona e sujeitar-se, aqui, a retirar do local o único ponto de referência ao passado da cidade?
Como se explica que a memória de Alfredo da Silva seja incompatível com o espaço mas um elevador de vidro já possa ocupar o lugar central da futura praça?
E de que projecto estamos a falar? Alguém o conhece? Como se explica que uma simples moradia familiar tenha que enfrentar o calvário do processo de licenciamento camarário e este projecto não tenha um único elemento conhecido do público que, indirectamente, o está a pagar?
Porque é que nem os esboços apresentados nas supostas sessões de discussão pública estão no site da Câmara Municipal?

Não me importo que a estátua de Alfredo da Silva seja retirada do local onde está, penso mesmo que merece uma localização mais digna e onde possa ser apreciada, não pelo seu valor artístico mas pelo que Alfredo da Silva representou para o país.

Sem dúvida, meus senhores e minhas senhoras, o Barreiro não merece o privilégio de ter a estátua daquele que, entre reis, rainhas, presidentes e notáveis da história de Portugal, está no grupo das 100 figuras do milénio.

Sempre ao V. dispor

Captain Jack