O que têm estas três estátuas em comum? Aparentemente nada. A primeira está exposta em Paris e tem mais de 2000 anos, a segunda está sobre uma pedra na capital dinamarquesa, desde 1913 e, em 1965, a terceira foi inaugurada numa praça pública de uma cinzenta, triste e desconhecida cidade chamada Barreiro.
O elemento comum não é, como se vê, a geografia.
A Vénus de Milo é uma estátua grega que mede 203 cm de altura, foi esculpida em mármore e simboliza a beleza física e o amor. A pequena sereia dinamarquesa, pequena de mais para que se revele a sua altura, foi fundida em bronze em homenagem a Hans Christian Andersen, e é uma personagem imaginária de um conto de encantar, deste escritor dinamarquês.
A estátua de Alfredo da Silva, em bronze, com 360 cm de altura simboliza o espírito empreendedor daquele que foi chamado o “Capitão da Industria” e é uma homenagem a um homem que tem o seu lugar na história deste país.
Também por aqui não vamos lá. Não têm de comum nem os criadores, nem as dimensões e muito menos o que simbolizam. Duas delas, que se saiba, curiosamente feitas do mesmo metal, são homenagens a pessoas a quem o seu respectivo país reconhece mérito.
Se teimarmos em encontrar um ponto comum entre estas obras de arte seremos forçados a admitir que este aspecto reside na desilusão que nos causam.
A Vénus foi encontrada em 1820 na ilha de Milo por um pescador que não sabendo o seu real valor a tentou vender a oficiais franceses. Como estes demorassem muito tempo a decidir-se ofereceu-a também ao exército turco que de imediato se prontificou a levá-la para a corte.
No meio de um rocambolesco incidente a estátua acabou a bordo de um barco francês que a trouxe para Paris, deixando, perdidos nas ruas da ilha de Milo, os dois braços que lhe faltam. Verificou-se mais tarde que a amputação era ainda maior do que se pensava inicialmente. A figura estaria apoiada numa coluna e teria pulseiras e uma tiara em ouro, como parecem mostrar os diversos orifícios que existem na estátua e que seriam os pontos de fixação destes ornamentos.
Atraindo multidões ao Louvre, onde está exposta, não deixa de constituir uma certa desilusão, para os amantes da arte, não a poderem apreciar na sua forma original, isto é, completa.
A sereia de Copenhaga reserva a todos quantos a visitam a desilusão da sua pequena dimensão, mais acentuada porque somos obrigados a observa-la de cima.
Já a estátua de Alfredo da Silva constituiu, desde sempre, uma enorme desilusão para aqueles “defensores” da classe operária que nunca conseguiram ofuscar o brilho da imagem do que este homem representa para a generalidade dos barreirenses.
Escreveu o poeta que “aqueles que por obras valerosas/Se vão da lei da Morte libertando” mereciam que ele os cantasse por toda a parte, “Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”
Arte e engenho talvez existam ainda hoje mas para enganar os ingénuos e incautos. Para enganar os que seguem cegamente os “presidentes de clube” ou os pseudo messias que surgem com a solução “ovo de Colombo” que aqueles que os antecederam não conheciam.
Com a actual polémica sobre a mudança da estátua de Alfredo da Silva estamos perante uma das muitas manobras de viciação dos factos para condicionar a opinião pública. Temos assistido a um desfilar de argumentos que vão desde os mais pueris, como o facto de a base da figura causar problemas técnicos à solução proposta pelo arquitecto Joan Busquets, ou o facto de todo o arranjo ser de três autores diferentes e como tal ser impossível conciliar estas linguagens com a proposta para o novo Mercado Municipal.
A verdadeira questão continua a ser o simbolismo que a estátua tem para o povo do Barreiro. Independentemente da personalidade do homem ou das suas ideias políticas, das benesses que recebeu (ou não) do regime e do preço que teve que pagar por elas (ou não), aquilo que o Barreiro recorda é a época em que trabalhar na CUF era sinónimo de segurança.
O que aquela estátua trás à memória dos barreirenses é a lembrança do tempo em que o Barreiro tinha cinemas, uma piscina, dois clubes na primeira divisão de futebol, uma actividade comercial próspera, emprego para 12000 pessoas directamente na CUF, o primeiro supermercado da era moderna (Pão-de-Açucar, lembram-se, onde hoje é o “Recheio”?), um patrono que construiu um externato infantil e o “vendeu” para Liceu, uma escola industrial e comercial que preparava os jovens para a vida do trabalho, ensinando-lhes uma profissão (desde serralheiro mecânico a analista químico, passando por torneiro mecânico, soldador ou electricista).
O que aquela estátua recorda ao povo do Barreiro era a qualidade de vida que se vivia na cidade onde a CUF e a CP garantiam o desenvolvimento e contribuíam, para lá da sua actividade, financiando a construção de bairros de habitação como é o caso do “Bairro da Câmara”, ou com a criação de serviços sociais, assistência médica e despensa de produtos alimentares, quando em Portugal ainda não havia um sistema de Segurança Social do próprio Estado.
Mas, olhando para aquela estátua os barreirenses recordam também a possibilidade de terem dado aos seus filhos os cursos que eles próprios não tiveram a oportunidade de tirar. O Barreiro possui entre os seus nativos uma percentagem de licenciados superior à média nacional. Alguns nomes conhecidos da generalidade dos portugueses, desde actores, jornalistas, advogados, juizes, médicos, engenheiros, arquitectos e até políticos são filhos da cidade e hoje profissionais consagrados nas suas áreas.
Mais do que recordar Alfredo da Silva, aquela estátua remete-nos para o tempo em que se desenvolvia a cidade, em que o nível cultural dos seus habitantes permitiu o florescimento de colectividades que, a coberto dos bailes de carnaval ou dos santos populares, desenvolviam um importante papel de consciencialização social. Faz-nos lembrar quando se faziam obras públicas como construir uma rede de saneamento básico, de abastecimento público de água, a criação de uma rede de transportes públicos ou a manutenção dos arruamentos.
Era toda uma cidade (ainda vila, nesses tempos) que tinha dinâmica própria e gente competente a gerir os seus destinos e não políticos com cassetes convertidas para CD, em novas versões dos discursos inflamados feitos aos portões da CUF/Quimigal, prometendo-nos futuros risonhos que, trinta anos volvidos, continuam sem se tornar realidade.
Nesta fase final do ataque ao que resta da memória do que outrora foi esta cidade, tentam re-escrever a história, apagando as referências que existem daqueles que o povo ainda recorda e a quem reconhece a valia de ter transformado uma vila piscatória que vivia, sazonalmente, da cortiça, num dos mais avançados complexos tecnológicos europeus da década de sessenta.
Em toda esta questão não me parece importante se a estátua fica no mesmo lugar ou se é transferida para outro. Preocupam-me muito mais os valores que esta decisão põe em questão. Que valores estamos a passar aos nossos filhos? Que as estátuas, geralmente homenagem aos notáveis de uma determinada época, podem ser mandadas para o “lixo”, guardadas num qualquer armazém como se tivessem prazo de validade?
Como se define o prazo de validade de uma atitude meritória, de uma figura que se destacou na sociedade, de um facto histórico ou de um acto de heroísmo?
Estará a estátua de Afonso Henriques, na cidade berço, dentro do prazo de validade ou pode ser mudada para um armazém na Azambuja para se poder transformar o Castelo de Guimarães e zonas envolventes num imenso centro comercial tipo Forum Barreiro, com umas centenas de fogos de habitação à mistura?
E que tal se seguíssemos a mesma linha de raciocínio e mudássemos também a estátua de Fernando Pessoa para, digamos, a Rua da Betesga? Sempre poderíamos garantir mais uma mesa de esplanada para nela se sentarem quatro “camones” ...
Movidos por esta ideia também poderíamos arrasar o Padrão dos Descobrimentos para melhor “devolver o rio à cidade de Lisboa”, os lisboetas puderem desfrutar da zona ribeirinha de Belém sem nada a tapar-lhes a vista, tanto mais que, hoje já não é mistério, sabe-se que a epopeia dos Descobrimentos Marítimos foi uma exploração do proletariado de 1500 e uma colonização subjugadora dos povos irmãos dos novos países de expressão portuguesa, em África.
É o respeito pelo passado que nos garante a História e é a História que nos permite aprender com os erros do passado. O povo judeu continua a visitar Auschwitz apesar de este lugar lhes trazer dolorosas recordações, mas faz questão de não deixar morrer a memória para que o passado não seja esquecido.
No Barreiro somos diferentes. Gastámos 50.000 contos numa “obra de arte” para a rotunda da Escola Álvaro Velho, inaugurámos um Memorial a Catarina Eufémia no parque municipal que recebeu o seu nome e preparamo-nos para esconder a estátua de Alfredo da Silva, num qualquer canto onde não chateie, como se este não tivesse feito nada pelo Barreiro.
Como futura localização da estátua começou por se falar na nova rotunda do conhecido Largo das Obras para rapidamente já se terem levantado hipóteses de o transladar para o seu mausoléu, no interior do Quimiparque ou para a frente do pavilhão gimnodesportivo do GDFabril. Por enquanto está guardado num armazém.
"A estátua já está a ser retirada devido às obras que decorrem para construção do novo Mercado 1º Maio e zona envolvente. É certo que a estátua não pode ficar naquele local. No executivo da Câmara já falámos sobre isso apesar de ainda não haver uma decisão pois a situação vai ser analisada na Assembleia Municipal", disse à Lusa Joaquim Matias, vice-presidente da Câmara do Barreiro.
“Nesta altura existem várias hipóteses e uma delas é colocar a estátua numa nova rotunda na zona do Largo das Obras (junto à entrada do Parque Empresarial da Quimiparque), mas existem outros locais, como o interior da Quimiparque", explicou o vice-presidente.
"A estátua é um obstáculo para uma praça ampla, com espaços comerciais e esplanadas, pois na zona o seu conjunto corta e divide aquela área", concluiu.
In “Noticias.rtp.pt” chave de pesquisa: “estátua de Alfredo da Silva”
Sobre o assunto, na sessão da Assembleia Municipal de 15 de Maio de 2008, o Presidente Carlos Humberto, explicou que "Fomos nós, e não o arquitecto Joan Busquets, que pensámos que a estátua não é compatível com a praça que pretendemos e demos essa indicação ao arquitecto. A estátua por si só, sem o pedestal e espelho de água, não vejo problema, agora como está não é compatível", disse.
"Os três elementos pertencem a artistas diferentes e devem ser vistos como um todo. Tem que se ter sensibilidade", acrescentou
"O Largo das Obras é uma hipótese, mas existem outras como dentro da Quimiparque ou junto ao estádio Alfredo da Silva. Ainda não há decisão e até entendi que não se devia retirar a estátua, devido aos trabalhos de construção do mercado e requalificação da zona envolvente, antes desta assembleia", explicou.
Nesta sessão da Assembleia Municipal a bancada do PS apresentou uma proposta para que fosse feito um referendo local sobre o assunto para que a população se pudesse pronunciar quanto à retirada ou manutenção da estátua, no entanto a abstenção do PSD e do BE deram origem à rejeição da mesma com os votos do PCP.
Apetece fazer algumas perguntas:
Quem tem medo da opinião do povo do Barreiro?
Que direito tem o executivo camarário de desrespeitar o passado histórico do Barreiro?
Que direito têm os gestores autárquicos de imporem uma filosofia de projecto a um arquitecto como Joan Busquets? Ou será que ele foi escolhido porque se predispôs a fazer tudo quanto lhe pedissem e não pela sua inquestionável valia técnica?
Como pode Joan Busquets ter contribuído para a reconversão do bairro catalão de Poblenou, em Barcelona, onde se fez questão de manter 144 elementos arquitectónicos característicos da zona e sujeitar-se, aqui, a retirar do local o único ponto de referência ao passado da cidade?
Como se explica que a memória de Alfredo da Silva seja incompatível com o espaço mas um elevador de vidro já possa ocupar o lugar central da futura praça?
E de que projecto estamos a falar? Alguém o conhece? Como se explica que uma simples moradia familiar tenha que enfrentar o calvário do processo de licenciamento camarário e este projecto não tenha um único elemento conhecido do público que, indirectamente, o está a pagar?
Porque é que nem os esboços apresentados nas supostas sessões de discussão pública estão no site da Câmara Municipal?
Não me importo que a estátua de Alfredo da Silva seja retirada do local onde está, penso mesmo que merece uma localização mais digna e onde possa ser apreciada, não pelo seu valor artístico mas pelo que Alfredo da Silva representou para o país.
Sem dúvida, meus senhores e minhas senhoras, o Barreiro não merece o privilégio de ter a estátua daquele que, entre reis, rainhas, presidentes e notáveis da história de Portugal, está no grupo das 100 figuras do milénio.
Sempre ao V. dispor
Captain Jack
O elemento comum não é, como se vê, a geografia.
A Vénus de Milo é uma estátua grega que mede 203 cm de altura, foi esculpida em mármore e simboliza a beleza física e o amor. A pequena sereia dinamarquesa, pequena de mais para que se revele a sua altura, foi fundida em bronze em homenagem a Hans Christian Andersen, e é uma personagem imaginária de um conto de encantar, deste escritor dinamarquês.
A estátua de Alfredo da Silva, em bronze, com 360 cm de altura simboliza o espírito empreendedor daquele que foi chamado o “Capitão da Industria” e é uma homenagem a um homem que tem o seu lugar na história deste país.
Também por aqui não vamos lá. Não têm de comum nem os criadores, nem as dimensões e muito menos o que simbolizam. Duas delas, que se saiba, curiosamente feitas do mesmo metal, são homenagens a pessoas a quem o seu respectivo país reconhece mérito.
Se teimarmos em encontrar um ponto comum entre estas obras de arte seremos forçados a admitir que este aspecto reside na desilusão que nos causam.
A Vénus foi encontrada em 1820 na ilha de Milo por um pescador que não sabendo o seu real valor a tentou vender a oficiais franceses. Como estes demorassem muito tempo a decidir-se ofereceu-a também ao exército turco que de imediato se prontificou a levá-la para a corte.
No meio de um rocambolesco incidente a estátua acabou a bordo de um barco francês que a trouxe para Paris, deixando, perdidos nas ruas da ilha de Milo, os dois braços que lhe faltam. Verificou-se mais tarde que a amputação era ainda maior do que se pensava inicialmente. A figura estaria apoiada numa coluna e teria pulseiras e uma tiara em ouro, como parecem mostrar os diversos orifícios que existem na estátua e que seriam os pontos de fixação destes ornamentos.
Atraindo multidões ao Louvre, onde está exposta, não deixa de constituir uma certa desilusão, para os amantes da arte, não a poderem apreciar na sua forma original, isto é, completa.
A sereia de Copenhaga reserva a todos quantos a visitam a desilusão da sua pequena dimensão, mais acentuada porque somos obrigados a observa-la de cima.
Já a estátua de Alfredo da Silva constituiu, desde sempre, uma enorme desilusão para aqueles “defensores” da classe operária que nunca conseguiram ofuscar o brilho da imagem do que este homem representa para a generalidade dos barreirenses.
Escreveu o poeta que “aqueles que por obras valerosas/Se vão da lei da Morte libertando” mereciam que ele os cantasse por toda a parte, “Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”
Arte e engenho talvez existam ainda hoje mas para enganar os ingénuos e incautos. Para enganar os que seguem cegamente os “presidentes de clube” ou os pseudo messias que surgem com a solução “ovo de Colombo” que aqueles que os antecederam não conheciam.
Com a actual polémica sobre a mudança da estátua de Alfredo da Silva estamos perante uma das muitas manobras de viciação dos factos para condicionar a opinião pública. Temos assistido a um desfilar de argumentos que vão desde os mais pueris, como o facto de a base da figura causar problemas técnicos à solução proposta pelo arquitecto Joan Busquets, ou o facto de todo o arranjo ser de três autores diferentes e como tal ser impossível conciliar estas linguagens com a proposta para o novo Mercado Municipal.
A verdadeira questão continua a ser o simbolismo que a estátua tem para o povo do Barreiro. Independentemente da personalidade do homem ou das suas ideias políticas, das benesses que recebeu (ou não) do regime e do preço que teve que pagar por elas (ou não), aquilo que o Barreiro recorda é a época em que trabalhar na CUF era sinónimo de segurança.
O que aquela estátua trás à memória dos barreirenses é a lembrança do tempo em que o Barreiro tinha cinemas, uma piscina, dois clubes na primeira divisão de futebol, uma actividade comercial próspera, emprego para 12000 pessoas directamente na CUF, o primeiro supermercado da era moderna (Pão-de-Açucar, lembram-se, onde hoje é o “Recheio”?), um patrono que construiu um externato infantil e o “vendeu” para Liceu, uma escola industrial e comercial que preparava os jovens para a vida do trabalho, ensinando-lhes uma profissão (desde serralheiro mecânico a analista químico, passando por torneiro mecânico, soldador ou electricista).
O que aquela estátua recorda ao povo do Barreiro era a qualidade de vida que se vivia na cidade onde a CUF e a CP garantiam o desenvolvimento e contribuíam, para lá da sua actividade, financiando a construção de bairros de habitação como é o caso do “Bairro da Câmara”, ou com a criação de serviços sociais, assistência médica e despensa de produtos alimentares, quando em Portugal ainda não havia um sistema de Segurança Social do próprio Estado.
Mas, olhando para aquela estátua os barreirenses recordam também a possibilidade de terem dado aos seus filhos os cursos que eles próprios não tiveram a oportunidade de tirar. O Barreiro possui entre os seus nativos uma percentagem de licenciados superior à média nacional. Alguns nomes conhecidos da generalidade dos portugueses, desde actores, jornalistas, advogados, juizes, médicos, engenheiros, arquitectos e até políticos são filhos da cidade e hoje profissionais consagrados nas suas áreas.
Mais do que recordar Alfredo da Silva, aquela estátua remete-nos para o tempo em que se desenvolvia a cidade, em que o nível cultural dos seus habitantes permitiu o florescimento de colectividades que, a coberto dos bailes de carnaval ou dos santos populares, desenvolviam um importante papel de consciencialização social. Faz-nos lembrar quando se faziam obras públicas como construir uma rede de saneamento básico, de abastecimento público de água, a criação de uma rede de transportes públicos ou a manutenção dos arruamentos.
Era toda uma cidade (ainda vila, nesses tempos) que tinha dinâmica própria e gente competente a gerir os seus destinos e não políticos com cassetes convertidas para CD, em novas versões dos discursos inflamados feitos aos portões da CUF/Quimigal, prometendo-nos futuros risonhos que, trinta anos volvidos, continuam sem se tornar realidade.
Nesta fase final do ataque ao que resta da memória do que outrora foi esta cidade, tentam re-escrever a história, apagando as referências que existem daqueles que o povo ainda recorda e a quem reconhece a valia de ter transformado uma vila piscatória que vivia, sazonalmente, da cortiça, num dos mais avançados complexos tecnológicos europeus da década de sessenta.
Em toda esta questão não me parece importante se a estátua fica no mesmo lugar ou se é transferida para outro. Preocupam-me muito mais os valores que esta decisão põe em questão. Que valores estamos a passar aos nossos filhos? Que as estátuas, geralmente homenagem aos notáveis de uma determinada época, podem ser mandadas para o “lixo”, guardadas num qualquer armazém como se tivessem prazo de validade?
Como se define o prazo de validade de uma atitude meritória, de uma figura que se destacou na sociedade, de um facto histórico ou de um acto de heroísmo?
Estará a estátua de Afonso Henriques, na cidade berço, dentro do prazo de validade ou pode ser mudada para um armazém na Azambuja para se poder transformar o Castelo de Guimarães e zonas envolventes num imenso centro comercial tipo Forum Barreiro, com umas centenas de fogos de habitação à mistura?
E que tal se seguíssemos a mesma linha de raciocínio e mudássemos também a estátua de Fernando Pessoa para, digamos, a Rua da Betesga? Sempre poderíamos garantir mais uma mesa de esplanada para nela se sentarem quatro “camones” ...
Movidos por esta ideia também poderíamos arrasar o Padrão dos Descobrimentos para melhor “devolver o rio à cidade de Lisboa”, os lisboetas puderem desfrutar da zona ribeirinha de Belém sem nada a tapar-lhes a vista, tanto mais que, hoje já não é mistério, sabe-se que a epopeia dos Descobrimentos Marítimos foi uma exploração do proletariado de 1500 e uma colonização subjugadora dos povos irmãos dos novos países de expressão portuguesa, em África.
É o respeito pelo passado que nos garante a História e é a História que nos permite aprender com os erros do passado. O povo judeu continua a visitar Auschwitz apesar de este lugar lhes trazer dolorosas recordações, mas faz questão de não deixar morrer a memória para que o passado não seja esquecido.
No Barreiro somos diferentes. Gastámos 50.000 contos numa “obra de arte” para a rotunda da Escola Álvaro Velho, inaugurámos um Memorial a Catarina Eufémia no parque municipal que recebeu o seu nome e preparamo-nos para esconder a estátua de Alfredo da Silva, num qualquer canto onde não chateie, como se este não tivesse feito nada pelo Barreiro.
Como futura localização da estátua começou por se falar na nova rotunda do conhecido Largo das Obras para rapidamente já se terem levantado hipóteses de o transladar para o seu mausoléu, no interior do Quimiparque ou para a frente do pavilhão gimnodesportivo do GDFabril. Por enquanto está guardado num armazém.
"A estátua já está a ser retirada devido às obras que decorrem para construção do novo Mercado 1º Maio e zona envolvente. É certo que a estátua não pode ficar naquele local. No executivo da Câmara já falámos sobre isso apesar de ainda não haver uma decisão pois a situação vai ser analisada na Assembleia Municipal", disse à Lusa Joaquim Matias, vice-presidente da Câmara do Barreiro.
“Nesta altura existem várias hipóteses e uma delas é colocar a estátua numa nova rotunda na zona do Largo das Obras (junto à entrada do Parque Empresarial da Quimiparque), mas existem outros locais, como o interior da Quimiparque", explicou o vice-presidente.
"A estátua é um obstáculo para uma praça ampla, com espaços comerciais e esplanadas, pois na zona o seu conjunto corta e divide aquela área", concluiu.
In “Noticias.rtp.pt” chave de pesquisa: “estátua de Alfredo da Silva”
Sobre o assunto, na sessão da Assembleia Municipal de 15 de Maio de 2008, o Presidente Carlos Humberto, explicou que "Fomos nós, e não o arquitecto Joan Busquets, que pensámos que a estátua não é compatível com a praça que pretendemos e demos essa indicação ao arquitecto. A estátua por si só, sem o pedestal e espelho de água, não vejo problema, agora como está não é compatível", disse.
"Os três elementos pertencem a artistas diferentes e devem ser vistos como um todo. Tem que se ter sensibilidade", acrescentou
"O Largo das Obras é uma hipótese, mas existem outras como dentro da Quimiparque ou junto ao estádio Alfredo da Silva. Ainda não há decisão e até entendi que não se devia retirar a estátua, devido aos trabalhos de construção do mercado e requalificação da zona envolvente, antes desta assembleia", explicou.
Nesta sessão da Assembleia Municipal a bancada do PS apresentou uma proposta para que fosse feito um referendo local sobre o assunto para que a população se pudesse pronunciar quanto à retirada ou manutenção da estátua, no entanto a abstenção do PSD e do BE deram origem à rejeição da mesma com os votos do PCP.
Apetece fazer algumas perguntas:
Quem tem medo da opinião do povo do Barreiro?
Que direito tem o executivo camarário de desrespeitar o passado histórico do Barreiro?
Que direito têm os gestores autárquicos de imporem uma filosofia de projecto a um arquitecto como Joan Busquets? Ou será que ele foi escolhido porque se predispôs a fazer tudo quanto lhe pedissem e não pela sua inquestionável valia técnica?
Como pode Joan Busquets ter contribuído para a reconversão do bairro catalão de Poblenou, em Barcelona, onde se fez questão de manter 144 elementos arquitectónicos característicos da zona e sujeitar-se, aqui, a retirar do local o único ponto de referência ao passado da cidade?
Como se explica que a memória de Alfredo da Silva seja incompatível com o espaço mas um elevador de vidro já possa ocupar o lugar central da futura praça?
E de que projecto estamos a falar? Alguém o conhece? Como se explica que uma simples moradia familiar tenha que enfrentar o calvário do processo de licenciamento camarário e este projecto não tenha um único elemento conhecido do público que, indirectamente, o está a pagar?
Porque é que nem os esboços apresentados nas supostas sessões de discussão pública estão no site da Câmara Municipal?
Não me importo que a estátua de Alfredo da Silva seja retirada do local onde está, penso mesmo que merece uma localização mais digna e onde possa ser apreciada, não pelo seu valor artístico mas pelo que Alfredo da Silva representou para o país.
Sem dúvida, meus senhores e minhas senhoras, o Barreiro não merece o privilégio de ter a estátua daquele que, entre reis, rainhas, presidentes e notáveis da história de Portugal, está no grupo das 100 figuras do milénio.
Sempre ao V. dispor
Captain Jack
4 comentários:
Mais uma vez, como sempre, brilhante!!!
Uma correcção á postagem.
Na verdade em Barcelona não se preservaram 144 ícones que perpetuam a memória da antiga ocupação industrial de Poblenou, mas "apenas" 114.
Também é verdade que não vemos tantas estátuas assim, pelas ruas de Barcelona, mas é olhado com respeito o passado histórico da cidade e não se deixa cair o Bairro Gótico, à semelhança do que faz aqui nesta terrinha com o Barreiro Velho.
Lá, provavelmente, alguém tem vergonha e não vem encharcar a opinião pública com asneiras como aquela do Sr. Vice-Presidente que afirmou a um jornal localque o Barreiro Velho perdeu a sua importância quando a estátua de Alfredo da Silva deslocou o centro da cidade.
Então e os diversos eventos que todos os executivos autárquicos decidiram organizar, em frente à estátua, quer fossem jogos de Basquet, Saltos de trampolim, ginástica rítmica ou desfiles de Carnaval trapalhão?
PumCatraPum
na minha visão de um barreiro do seculo XXI a estátua de alfredo da silva deve ganhar uma projecção maior, num espaço de muito mais amplitude, pela grandiosidade da figura que representou para o barreiro.
e também deve ficar tanto quanto possível visível para quem vive no barreiro, e para quem apenas passar no barreiro pela ponte.
A estátua deve ficar na quimiparque, junto à obra de AdS, virada para lisboa e que se possa ver da ponte que lá há de passar num espaço amplo rodeado de marmore branco e de relva e com focos de luz.
aquele foi Alfredo da Silva, poderá dizer quem passar por cima da TTT
nada a ver com questões ideológicas e guerras de alecrim e manjerona
Boa tarde,
É a primeira vez que aqui venho e confesso que gostei e voltarei.
Tal como defendo no meu blog, são os projectos que se devem enquadrar com as cidades e os seus monumentos e não contrário. O monumento existe desde 1960.
Zé Ferradura
http://fabricadosal.blogspot.com
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